A maior dica para que você, leitor, possa aproveitar essa história é esquecer completamente a série da Netfflix, porque ambas as tramas são infinitamente diferentes em absolutamente quase tudo. Ademais, o livro não é ruim, mas também não é bom, tampouco fácil de ser lido e compreendido.

“Não tenha tanto medo o tempo todo. A gente nunca sabe de onde está vindo a nossa coragem.”
Nome: A Assombração da Casa da Colina
Autor: Shirley Jackson
Páginas:
Editora: Suma de Letras
Sinopse: Quando Eleanor recebe uma carta de um tal de Doutor Montague a convidando para visitar a famosa e assombrosa “Casa da Colina”, ela não perde tempo em aceitar e para se dirigir ao lugar, rouba o carro de sua irmã. Em um luto recente e com problemas familiares, a moça quer apenas se sentir acolhida em algum lugar e porque não na casa conhecida por ser assombrada? Talvez ela faça amigos. É assim, que durante a estadia Eleanor conhece Luke e Theodora, outras duas pessoas chamadas por Montague para a experiência sobrenatural que a mansão pode provocar. Mas será mesmo que a Casa da Colina é mal assombrada? Ou será tudo apenas um reflexo da mente perturbada das pessoas que viveram em suas dimensões?
“A Assombração da Casa da Colina” é aquele tipo de livro que carece de uma atenção e de certa paciência para ser lido, isso porque em boa parte da trama nada acontece e o que acontece é muito mais implícito e está intrinsecamente ligado a mente e as nuances de cada um dos personagens apresentados na trama.
Embora tenhamos uma história que remete ao gênero de casas assombradas, esse é um livro que é muito mais do que apenas uma narrativa de assombração. Aqui, podemos dizer que o que realmente assombra os personagens são eles próprios, através de seus medos e anseios. A assombração não é feita de espíritos e fantasmas, mas sim de sentimentos que são desencadeados ao longo da trama.
“O silêncio se escorava com equilíbrio na madeira e nas pedras da Casa da Colina, e quem entrasse ali, entrava sozinho.”
Isso se deve ao fato de que a autora, Shirley Jackson, foca quase que exclusivamente em expor os sentimentos de cada personagem através de momentos de conversas e exploração da própria casa. As camadas de cada uma das pessoas são externadas ao longo da trama de forma formidável, mas a casa acaba ficando em segundo plano, assim como a tal “assombração”.
Porém, se tem uma coisa que pode ser encarada como memorável é o clima da própria “Casa da Colina”. Definitivamente uma ambientação viva.
Ambientação viva
E que casa. Assombrosa não apenas por ser “quase” abandonada, mas sim devido a todo o clima melancólico, sórdido, frio, depressivo e perturbador que ecoam em suas dimensões. A Casa da Colina é como se fosse um personagem da narrativa, algo que está vivo e a espreita, uma construção que evoca ao longo da trama o pior de cada uma das pessoas presentes em suas dimensões.
A arquitetura feita para confundir consegue deixar tudo muito mais assombroso, assim como toda a atmosfera peculiar e sombria que ronda cada cômodo da mansão. Uma coisa interessante, é o fato de como a própria arquitetura corrobora para que os eventos paranormais ocorram, como portas se fechando sozinhas devido a uma leve inclinação da residência.
“Era uma casa sem bondade, jamais feita para ser habitada, não era um lugar adequado a pessoas ou ao amor ou à esperança.”
Ou seja, se tem um personagem verdadeiramente cativante em toda a narrativa, esse personagem é a Casa da Colina que consegue amedrontar por ser ela mesma e não fazer um mal físico aparentemente, mas apenas evocar no coração de cada um de seus visitantes o pior lado deles próprios, acentuando seus defeitos, medos e anseios.
A casa vive e de dentro dela ninguém saí exatamente como entrou.
Sensação de Calmaria
E mesmo que “A Assombração da Casa da Colina” não seja um livro puramente de horror, de assombrações, há de convir que existem momentos de tensão ao longo da trama. E embora não sejam situações que causem medo ao leitor, ainda assim, são momentos que conseguem prender a atenção por serem totalmente inesperados.
E isso é um mérito de Jackson, que consegue fazer o clima pesar após um grande momento de calmaria que se estende por páginas e mais páginas. Se por um momento estamos acompanhando um jantar delicioso em volta da mesa, regado de conversas aleatórias, logo em seguida estamos tensos porque alguma coisa bate terrivelmente alto na porta com um pedaço de madeira. E o que seria essa coisa? Nunca saberemos.
“Nenhum fantasma em todas as longas histórias de fantasmas machucou alguém do ponto de vista físico. O único estrago feito é pela vítima contra si mesma.”
E esse ponto foi algo que admirei imensamente na construção narrativa da trama, pois se eu me sentia entediada lendo um certo ponto em que absolutamente nada acontecia, no outro eu já estava ansiosa para saber o desenrolar de um evento mais tenso e assombroso. E essa sensação perdura durante todo o livro, como uma espécie de montanha-russa em que em um momento tudo está bem e no outro tudo está decaindo.
Clima Sombrio
E toda essa sensação de calmaria que a própria história provoca no leitor é bastante acentuada com o clima altamente sombrio em que a trama se desenrola.
“A Assombração da Casa da Colina” é um livro com uma ambientação e um clima muito bem construídos para causar agonia e desconforto ao leitor. A escuridão que permeia os cômodos tortos da casa ou mesmo a forma sombria com que a floresta que cerca as dimensões da mansão são descritas, tudo corrobora para o clima sombrio se instaurar.
“O exorcismo não consegue mudar o semblante de uma casa; a Casa da Colina continuaria igual até ser destruída.”
Dessa forma, quando as coisas realmente acontecem mesmo com a sensação de calmaria, ainda sentimos aquele breve frio na barriga, seja devido a escuridão, ao cheiro ou mesmo ao frio que perpetua em cada canto daquela residência envelhecida. Uma casa velha e sombria ao extremo e que por isso, talvez consiga evocar os piores medos do ser humano.
Superstição Local
Acho bem interessante como essas tramas de casas mal-assombradas são sempre regadas de superstição. Vemos isso em “Drácula” quando Jhonathan chega ao castelo do Conde e vemos isso aqui em “A Assombração da Casa da Colina”.
Quando Eleanor está seguindo o caminho em direção a residência ela resolve parar em um bar para poder tomar um café e quando menciona para onde vai, a assombração nos rostos dos frequentadores do local é evidente. A casa tem má fama e é isso que faz a trama andar e guiar o leitor aquela sensação de perigo iminente.
“As pessoas estão sempre ávidas por dar nome às coisas, mesmo que o nome seja sem sentido, contanto que tenha uma sonoridade científica.”
Enfim, quando a moça chega a dita mansão é o caseiro e sua esposa que colaboram para que tudo pareça cada vez mais estranho. Ambos agem como se tivessem medo do lugar, mas nada podem fazer para impedir a façanha de Montague, afinal ele está acompanhado do dono da propriedade.
Toda essa superstição planta aquela sementinha na cabeça do leitor de que existe realmente algo de errado com a Casa da Colina, o que corrobora para que a tensão caminhe ao lado da leitura. Ou seja, existe a aflição provocada pela ansiedade de querer saber que alguma coisa vai acontecer a qualquer momento, mas até que ponto as lendas em torno de algo são reais e como elas influenciam as pessoas?
Até que ponto tudo é real?
E é exatamente com esse questionamento que entramos no último tópico da resenha. Até que ponto a casa da colina é realmente assombrada e tudo que aconteceu em suas dependências foi real? Seriam apenas manifestações mentais das pessoas que um dia ali estiveram? Seriam elas as assombrações de si mesmas?
Fato é, que o final da história assim como todo o desenvolvimento de Eleanor provocam essa sensação ao leitor, a impressão de que realmente tudo poderia ser apenas reflexos da mente conturbada de cada pessoa que viveu nas dependências da Casa da Colina. Afinal, é evidente que Eleanor está passando por um luto e que a depressão a atinge, sua mente não está bem e ela se culpa o tempo inteiro por algo que não foi sua culpa.
“Será possível que aquelas coisas tidas como manifestações sobrenaturais na verdade fossem mero resultado de uma ligeira falta de equilíbrio dos moradores daqui?”
Embora essa interpretação não seja explícita, ela está presente na narrativa, o que faz com que a casa possa simplesmente ser uma metáfora enorme para como a mente de Eleanor estava. Confusa, torta, deprimente. É assim que seu final é perpetuado, corroborando para que o leitor pondere se a grande vilã de tudo foi realmente a tenebrosa “Casa da Colina” ou a mente instável de Eleanor.
“A Assombração da Casa da Colina” é um bom livro de casa assombrada mesmo que este tema fique em segundo plano. Aqui o que impera são as nuances acentuadas de cada um dos personagens que compõem a narrativa, bem como todas as inseguranças e medos que os aflige. Ademais, a dica para que apreciem a obra é “esqueçam a série da Netflix”, pois ela nada tem em comum com a trama do livro.
Gosto bastante desse livro. Acho que uma questão tanto desse quanto do “A outra volta do parafuso” que também foi adaptado pela Netflix, é que no livro não fica claro se as assombrações são reais ou não, o que é difícil de ser adaptado. Então as séries acabam por considerar como reais, tirando um pouco da profundidade da história, mas tornando mais assustador.
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Concordo totalmente. Acho que as adaptações acabam dando aquele ar mais de sobrenatural às histórias, não é mesmo?! A verdade é que as próprias assombrações estão dentro dos personagens. “A outra volta do parafuso” eu ainda não li, mas está na minha meta de leitura para o ano que vem.
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