Crônicas casuais que lidam com o tempo e a passagem dele, faz dessa antologia de Pietro Universo bem diferente das outras que li. Aqui, o tempo não é apenas uma passagem, mas também o condutor de todas as narrativas apresentadas.

Nome: Tenra Eternidade
Autor: Pietro Universo
Páginas: 154
Editora: Publicação Independente
Assim como nas antologias anteriores, “Através da Janela” e “Senhor universo”, em “Tenra Eternidade” o leitor se depara com um tema específico que se torna recorrente durante toda a narrativa, permeando todas as crônicas; o tempo.
O tempo é o personagem principal das histórias apresentadas, a passagem dele, um momento específico que os personagens gostariam de pausar eternamente, um passado que poderia ser esquecido, ou mesmo vontades e realizações para o futuro.
Tudo requer tempo e a passagem dele.
“Quem está por aqui é o importante, os aventureiros do amanhecer, os inalcançáveis imortais do novo tempo. Eles, os jovens, alcançam os dedos no alçapão, são deuses, o mundo, são o suporte de uma sociedade doente. Galegos, pirralhos, rapazes, raparigas, mancebos, cabritas, moças, frangotes, crianças, o novo, o tenro… mal andaram sobre as terras cortantes e já governam o mundo sem se preocupar com coroas, espadas ou combates, mas velejaram pelos mares violentos e pensam ter sabedoria suficiente.”
O tempo cura, o tempo machuca, o tempo envelhece. Cada crônica detêm personagens que de alguma forma se sentem influenciados pelo tempo e sua passagem. Alguns querem que ele pause, outros que retorne e outros apenas esquecer aquilo que os apunhalou no coração em algum momento.
Diferente dos outros contos do autor, aqui não temos histórias que beiram o realismo fantástico, mas sim crônicas plausíveis, que retratam as pessoas em seus momentos diários, sejam eles únicos ou não.
Vale ressaltar, que assim como nas duas antologias que li, essa também está repleta do lirismo delicioso que é a escrita de Pietro. São narrativas que contam histórias comuns que poderiam ocorrer comigo ou com você e que são narradas de forma única, o que as torna especial.
E aqui, selecionei cinco crônicas para falar com vocês:
“Um dia de quase morte”
Esse foi o meu preferido. Eu ri demais, um conto bastante divertido que fala sobre as desventuras de uma mulher (detestável) que quase morreu três vezes em um único dia e que mesmo assim, não aprendeu absolutamente nada com sua sorte e oportunidade de viver mais um pouco.
A personagem apresentada por Pietro, é aquele tipo de pessoa que tenta a todo custo achar que está certa em suas atitudes, mesmo quando estas, não são as melhores e mais confiáveis. Uma mulher que argumenta e se não vence na argumentação e debate, parte para a agressividade das palavras.
“Ela era, portanto, a mulher mais odiada do Brasil.”
Infelizmente, mesmo com todo o azar que tem de quase morrer três vezes ao longo da trama, não aprende a lição e continua se achando a última bolacha do pacote, tendo a certeza de estar sempre certa, mesmo que esteja errada e não possua discernimento suficiente para reconhecer isso.
“A casa dos gatos”
Como uma eterna amante dos felinos que sou, tenho que admitir que essa crônica me cativou. Aqui temos um homem comemorando seu aniversário com uma grande festa repleta de convidados e amigos, vemos o personagem ser amado por uns, idolatrado por outros e odiado por muitos.
O fato curioso desse conto, é que o anfitrião e aniversariante é um amante de gatos e possuí muitos em sua residência. O mais interessante, é que todos os felinos apresentam nomes de pessoas, mas especificamente, nomes de homens. O porque disso? Apenas no final descobrimos.
Apesar desse breve mistério, a trama nada tem de fantástica ou misteriosa. É uma história que trata de um personagem que tenta de alguma forma lidar com a dor de sua perda.
O protagonista do conto é um homem machucado, alguém que sofre com suas dores internas e tenta se recuperar delas, por isso, não consegue abrir seu coração e amar alguém. É interessante, ver como sua alma se encontra dividida e como ele sofre com isso, mesmo que não transpareça.
“Dolores”
Esse é o conto que mais representa a passagem de tempo. Aqui acompanhamos uma senhora de idade que se observa no espelho e reflete sobre suas mudanças corporais e seu envelhecimento.
Triste, mas, ao mesmo tempo, reflexivo.
A personagem já em idade avançada, é uma atriz que vê o tempo passar não apenas em seu corpo já velho e enrugado, mas também em sua carreira, visto que não é mais chamada para atuar e quando o faz, é de forma desleixada.
É interessante e angustiante, ver como as pessoas podem ter um prazo de validade, afinal a idosa já não é tão útil quanto foi um dia quando era jovem, charmosa e bonita. Agora, os homens lhe dizem não e infelizmente ela tem de aceitar.
A questão é; sua vida realmente acabou porque ela está velha?
“Sozinho”
Questionamentos filosóficos acerca da vida e do que fazemos com nossos próprios sentimentos permeiam essa crônica, talvez a única a deter o realismo mágico de Pietro que tanto me encanta.
“Quando se vive uma coisa tão intensa, ambas as partes sempre saem feridas. Mas cada um lamenta de um jeito diferente, não é surpresa.”
Aqui, vemos um homem conversar com seu reflexo no espelho que pondera sobre a vida do humano a sua frente, questionando o próprio, suas atitudes e a forma como tem levado a vida.
É interessante, afinal, como realmente temos levado nossa vida e o que será que o nosso reflexo pensa sobre isso?
“A candidatura”
Embora eu não tenha gostado muito da atmosfera política desse conto, tenho que ressaltar que ele detêm suas qualidades ao falar sobre o tempo passado e como este influencia na vida das pessoas.
Aqui, temos uma trama que gira em torno da política, da motivação pra que a protagonista da história tenha optado por uma carreira política, bem como os desdobramentos que as múltiplas tarefas de uma deputada detêm sobre sua família.
“Havia um brilho estranho nos olhos deles, uma luz emanando da pele, um som surgido além da gargalhada, um lindo arco-íris, que precedeu uma grande tempestade.”
O tempo aqui não é apenas o da campanha que está chegando, mas reflete sobre vinganças de um passado que se recusa a ir embora e possa permitir que as pessoas consigam viver suas vidas de forma normal, sem se manterem presas a vingança que desejam sobre algo.
“Tenra Eternidade” é uma antologia de contos que eu indico aos leitores que gostam de intercalar suas leituras. Aqui, as crônicas se dividem entre melancólicas e divertidas. Entretanto, todas refletem sobre a passagem do tempo e como este, pode ser cruel algumas vezes.
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