As lendas e mitos Nórdicos narrados de uma forma totalmente diferente e original. Através do olhar atento do deus trapaceiro, Loki, conhecemos um lado mais cruel dos deuses de Asgard, que deixam de ser os mocinhos da história para se tornarem os grandes vilões.

Nome: O Evangelho de Loki
Autor: Joanne M. Harris
Páginas: 406
Editora: Bertrand Brasil
Sinopse: Já pensou ler um livro sobre a mitologia Nórdica narrada através da perspectiva de algum dos deuses do panteão? Ou melhor, já pensou em ler uma narrativa dos mitos Nórdicos escrita pelo famoso deus da trapaça, Loki?
Pois, é exatamente isso que temos aqui. As grandiosas lendas de Asgard, narradas com comicidade através da visão de Loki que tenta a todo custo, fazer o leitor ver o outro lado a moeda, uma nova perspectiva em que ele não é o vilão por ser mal, mas sim, devido as circunstâncias.
“O Evangelho de Loki” é aquele tipo de livro que surpreende o leitor por apresentar uma história conhecida, através de uma visão totalmente nova. Pelo olhar de um personagem que não é nem um pouco confiável, mas que é de grande importância para todos os eventos que conhecemos mediante os mitos e lendas narrados através das eras.
O interessante e original de toda essa narrativa, é o fato de que, como as lendas são contadas pela visão de Loki, o leitor cria uma empatia pelo personagem e se compadece do que ocorre com ele durante a trama, mesmo que tudo, seja absolutamente culpa dele. É pertinente mencionar, que Loki acaba se tornando aquele personagem carismático que conquista o leitor, mesmo não sendo um dos mais virtuosos.
“Bem, pode me chamar de cínico, mas nunca fui de aceitar as coisas baseadas em confiança e acontece que eu sei que história não é nada além de voltas e metáforas, componentes que fazem parte de toda lorota quando você os expõe desde sua base.”
E que panteão. Eu diria que através dessa história, conheci facetas desconhecidas, até então, dos deuses nórdicos. Muito embora, eu saiba que como a história é descrita através do olhar de Loki, ele se torna um narrador não confiável, mas mesmo assim, sua narrativa e as descrições acerca da personalidade de alguns deuses é interessante e faz o leitor refletir um pouco acerca desses aclamados personagens.
Deuses
Em “O Evangelho de Loki”, nenhum deus está isento da maldade. Todos possuem suas parcelas de culpa, de bondade e de mazelas. É interessante, ler como a narrativa consegue em pouco tempo fazer o leitor fomentar uma opinião diferente acerca dos deuses. Afinal, eles não são nem um pouco benevolentes e agem pelo próprio instinto de querer o melhor para si mesmos.
O egoísmo, a inveja, o medo e o ódio descontrolado é algo que reina dentro de Asgard e isso de certa forma além de incomodar ao leitor, também o faz refletir do quanto poderia ser verdade.
“Bem, eu poderia ter salvado os Nove Mundos. Poderia ter impedido Ragnarok. Mas os deuses, com sua arrogância e ganância, deixaram clara a minha posição. Eu jamais seria um deles. Eu sabia daquilo agora. Estava sozinho. E assim sempre seria.”
Veja bem, são criaturas dotadas de poderes extraordinários. Não é atoa que quando Loki é apresentado por Odin como uma espécie de “braço direito”, todos torcem o nariz, afinal o deus da trapaça não nasceu deus, ele foi criado.
É a partir desse ponto de vista, que lemos certos preconceitos contra o personagem e até mesmo maldades extremas que são feitas contra ele. Afinal, Loki não era um deus de verdade e se ele não era um deles, tudo sempre acabava sendo “culpa dele” de alguma forma, mesmo que essa culpa parecesse bastante irreal e fora de seu poder.
Perspectiva
É através da perspectiva do personagem em relação ao tratamento que os deuses lhe dão em Asgard, que o leitor acaba criando um vínculo com ele. Entretanto, devo admitir que esse vínculo pode já estar concreto desde antes, afinal acredito que todos que forem ler essa obra, terão a imagem de Tom Hiddleston na cabeça.
“Loki, esse sou eu. Loki, o Portador da Luz, o incompreendido, o esquivo, o belo e modesto herói dessa específica trama de mentira. Adicione uma pitada de sal, mas, pelo menos, é tão verdadeira quanto a versão oficial e , ouso dizer, mais divertida. Até o momento, a história, como ela é, tem me garantido um papel desfavorável. Agora é a minha vez de subir ao palco.”
Sim, o Loki do livro é tão carismático quanto o Loki da Marvel. Eles possuem suas diferenças, é claro, mas o senso de humor, o sarcasmo e a irreverência estão presentes a todo momento. E são essas características que tornam o seu ponto de vista único. E não apenas isso, torna o personagem uma espécie de herói que fará o leitor torcer por ele.
Esse é um ponto bem interessante. Afinal, Loki é culpado por tudo de ruim que lhe acontece na narrativa, já que, ele não é flor que se cheire, mas sim o deus da mentira, o trapaceiro dos deuses. Por esse motivo, suas ações são questionáveis durante toda a trama, mesmo que ele, através de sua lábia e astúcia tente convencer o leitor do contrário.
Bom ou Mal?
Tá aí uma coisa que posso afirmar com toda a certeza que não sei responder.
Loki é um personagem questionável, sim. Mas, será que ele foi realmente o vilão responsável pela destruição de Asgard e o fim dos deuses nórdicos? Francamente, depois de ler “O Evangelho de Loki” eu fiquei com algumas dúvidas, mesmo que eu possa afirmar que o personagem mereceu boa parte das coisas que lhe ocorrem.
Mas, vamos aos pontos.
Loki não era um deus inicialmente, mas sim uma criatura do caos que tinha como essência o fogo. Porém, um dia, Odin o encontra e depois de uma conversa, acaba forçando aquela criatura a segui-lo, marcando seu corpo com sua marca o que faria de Loki um traidor para o Caos. Ou seja, que outra alternativa ele teria a não ser seguir Odin?
É mediante a isso que o preconceito dentro do panteão rola solta contra Loki. Além dos deuses não aceitarem um ser do Caos junto de si, todos acham que ele é inferior por não ter nascido de um deus como os outros. A partir de então, tudo que acontece de ruim em Asgard se torna culpa dele e mesmo quando ele tenta de alguma forma ajudar, se não dá certo a culpa é dele e ele é castigado.
“E, então, eu me tornei o trapaceiro, odiado e, ainda assim, inestimável, escondendo meu desprezo por todos com o meu sorriso marcado e distorcido.”
Percebe como o bem e o mal se torna uma questão de perspectiva?
Quando Loki perde uma aposta e tem sua boca costurada por um ferreiro, ele é imobilizado pelos deuses de Asgard. A partir de então, ele percebe que nunca será aceito e aí sim, começa a sua trama de vingança. E sim, o último castigo é devido a todas as vinganças que Loki comete ao longo da narrativa, entretanto são vinganças relativamente bobas. Isso é, até ele ouvir a então profecia do Ragnarok.
Ou seja, sim. O que Loki tem de brincalhão, ele tem de vilão. Entretanto, cabe ao leitor escolher seu lado.
Sem encanto
E uma das coisas que mais gostei ao ler “O Evangelho de Loki” foi de como a autora conseguiu fazer com que nós, meros mortais, perdêssemos o encanto pela mitologia Nórdica e seus tão aclamados deuses.
Confesso, que nunca fui uma admiradora da mitologia Nórdica, mas após esse livro, passei a ser menos ainda. O que acontece, é que ao apresentar as lendas e mitos através da visão de Loki, conhecemos facetas terríveis dos deuses que crescemos acreditando serem virtuosos e de qualidades extremas.
“Pessoas primitivas sempre imaginam seus deuses à sua imagem; na melhor das hipóteses, um tipo de chefe guerreiro, com sua mentalidade típica.”
O que ocorre, é que Loki mostra pra nós, meros mortais, o quanto os seres que se acham superiores desprezam aqueles que acham inferiores. O quanto cada um deles está preocupado apenas consigo mesmo. O quanto todos são movidos pela inveja e ganância que tem uns dos outros.
Os deuses Nórdicos, são como qualquer criatura mitológica de outras regiões. Falsos e ruins. E não, não falo isso apenas porque li “O Evangelho de Loki”, mas porque segundo o curso natural das coisas, um criador sempre se acha superior a sua obra. Se pararmos para olhar pro nosso mundo real, chefes sempre se acham superiores a empregados.
Fantasia Cômica
E uma das coisas mais agradáveis de toda a narrativa é o grande senso de humor de Loki. Ler os mitos e lendas através da sua visão é uma viagem fantástica e absurdamente cômica. Seja pelo fato de que ele encontra os piores apelidos para os deuses mais grandiosos (como “Douradinho” para Heimdall ou “Menino de Ouro” para Balder), seja pela sua forma de lidar com problemas.
“Tudo começa com muita esperança, mas esses Mundos que construímos para nós mesmos são apenas castelos na areia, aguardando a maré noturna.”
É engraçado ver como Odin, a princípio se diverte com toda a irreverência de Loki, tornando este seu protegido durante algum tempo. É engraçado também, ler como Loki consegue manipular as situações a seu favor e fazer os deuses agirem como idiotas (Como quando ele faz Thor se vestir de mulher para poder resgatar o Mjonir).
Em suma, Loki se tornou um dos meus personagens preferidos desse ano. Junto com Jane Eyre e Bianca Ross, ele está no pódio dos melhores.
“O Evangelho de Loki” é um livro de fantasia que eu recomendo. Através da narrativa em primeira pessoa, o leitor tem a perspectiva dos mitos nórdicos pelo olhar de Loki, característica que torna a trama original. Um livro que de certa forma, consegue fazer o leitor ver com menos “encanto” o panteão nórdico. Afinal, como em qualquer mitologia, os deuses de Asgard são cruéis, sanguinários, violentos e abusivos. Inclusive Loki!
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