[Resenha] Os Marinheiros Perdidos – Jean-Claude Izzo

Escrito por:

Nome: Os marinheiros perdidos
Autor: Jean Claude Izzo
Editora: Record
Páginas: 267

Os marinheiros perdidos” é um daqueles livros que possui uma escrita simples e ao mesmo tempo cativante, conseguindo através de poucos detalhes de ambientação mostrar o essencial para o andamento da obra.

Essa simplicidade na narrativa, torna possível que o leitor desenvolva em sua mente o cenário em que se passa alguns momentos da trama o que faz com que esse seja um dos vários pontos fortes do livro, já que ao abdicar de longas e detalhadas descrições de ambientes e personagens, Izzo se foca quase que exclusivamente a desenvolver de forma profunda e filosófica a natureza humana e os sentimentos de todos os personagens.

O autor descreve sentimentos de uma forma leve, sutil e delicada o que causa no leitor as mais diversas sensações que são abordadas durante toda a narrativa. Se em um capítulo estamos emocionados, em poucas palavras sentimos ódio, e logo em seguida ternura.

Essa dualidade de sentimentos que o autor faz o leitor sentir torna a leitura bastante prazerosa e profunda, afinal é possível então compreender que ali naquela narrativa estamos conhecendo personagens humanos que não estão nem um pouco livres de errar.

O que ganhava com o mar, longe dos que amava? Que maldição o atingiu um dia e a tantos outros, que só encontravam sentido longe das margens?

Talvez caiba aqui a colocação de que a história é fatalmente ditada por sentimentos.

Os três personagens principais, são homens maduros, fortes e possuem duas paixões em comum: O mar e as mulheres que passaram e passam por suas vidas. É exatamente essa paixão pelo mar que faz com que os três se arrependam e repensem muito sobre suas vidas, afinal foi exatamente o amor avassalador pelo mar que resultou em tantas perdas e desilusões amorosas.

Ao serem obrigados a pararem naquele porto, os marinheiros se questionam sobre o rumo de suas vidas e tentam pensar em uma perspectiva menos dolorosa. Perdão, mágoas, feridas e sonhos de um recomeço é o que motiva esses homens em continuarem ou se perderem para sempre.

Marinhos perdidos, tão distintos entre si, mas que de alguma forma se conectam uns com os outros.

Marinheiros Perdidos, uma grande metáfora

Uma das coisas que mais chamou a minha atenção foi a escolha do título. Se quando comecei a leitura associei que “perdidos” era um termo que se referia muito mais ao fato de que os personagens se encontravam atracados e presos no porto de um lugar que não era a casa deles e por isso a escolha da palavra.

Após concluir a leitura eu percebi que havia muito mais significado na palavra “perdido” ao qual o autor se refere.

Se não encontramos no futuro o que desejamos, é porque não sabemos procurar. Sempre é preciso esperar alguma coisa.

Aqui nessa história, “perdido” se refere muito mais ao fato de que todos os personagens apresentados se encontravam sem rumo, perdidos em suas próprias vidas.

A utilização da palavra no título reflete que ela está mais ligada a percepção existencial dos personagens do enredo do que necessariamente ao que ocorre na história.

Todos sentem-se perdidos de alguma forma, sentem um vazio existencial e a falta de algo, como se dentro de cada um deles estivesse faltando algum pedaço.

A coincidência

Uma coisa que eu gostaria de abordar é o fator coincidência que permeia a obra. Fica claro durante a narrativa que o destino se faz presente.

Ao longo da trama percebemos que os três marinheiros acabam fatalmente interligados e isso se deve justamente a uma ironia do destino que o autor costura durante toda a narrativa. Essa coincidência abordada é tecida com muita sutileza e maestria por Izzo que consegue durante as últimas páginas nos deixar absortos, sem fôlego e surpreendidos. O que acontece é rápido, mas crucial.

É triste, mas previsível e plausível e porque não dizer completamente arrasador.

Chega um momento em que é preciso pagar o que se fez de podre na vida.

Confesso que ao ler o último capítulo do livro não consegui deixar de me sentir triste. A tragédia iminente e já anunciada durante quase que o livro inteiro me pegou de surpresa e assim como um dos personagens eu terminei me questionando se “tudo poderia ter sido evitado”.

A verdade é que eu não fazia ideia se em algum momento as coisas poderiam ter sido diferentes ou se independente de qualquer ação ou atitude o resultado seria o mesmo, afinal era puramente o destino.

Porque no fundo, mesmo amando profundamente o mar, sabia que navegava para fugir. Fugir é morrer. Estava convencido. Além da consciência de que a morte se aproximava dele.

Apesar da narrativa simples e sensível de Izzo, existem várias cenas pesadas retratadas com simplicidade no livro. Vejam bem, simplicidade não quer dizer que não seja chocante, porque é.

Se através de uma leveza na escrita o autor consegue transmitir sensibilidade para história, em diversos momentos, essa mesma leveza consegue nos chocar de uma forma absurda. E reitero aqui a afirmação de que ele detalha excepcionalmente bem sensações e sentimentos.

E sejamos coerentes e realistas, nem só de sentimentos bons o ser humano é formado.

Os marinheiros perdidos” é um grande achado. A história forte, relata com certa leveza amores perdidos, arrependimentos, coincidências e paixões. Um livro curto possível de ser lido em um dia para leitores mais vorazes. Uma leitura repleta de divagações belíssimas e um retrato doloroso, mas ao mesmo tempo fiel dos mais profundos e sombrios recantos do coração humano.

Avaliação: 4 de 5.

Deixe um comentário

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora