Essa foi a minha primeira experiência lendo Isabel Allende e fico imensamente feliz de ter conhecido a autora através dessa obra, já que certamente esse livro foi um dos melhores que eu tive o prazer de ler em 2020.

Nome: Filha da Fortuna
Autor: Isabel Allende
Editora: Bertrand Brasil
Número de Páginas: 469
Nota: 4,8
Sinopse: Filha adotiva de um casal de irmãos ingleses, que vivem no Chile, Eliza Sommers, uma jovem que acabou de completar dezesseis anos de idade, se apaixona perdidamente pelo jovem empregado da casa em que mora, Joaquin Andieta. Os dois passam a viver uma paixão proibida até que Joaquin querendo arrumar dinheiro para poder se casar com Eliza, parte rumo a Califórnia no período da “febre do ouro”. Desolada, a jovem logo descobre uma gravidez inesperada e sem ter o que fazer parte em busca de seu amado.
“Filha da Fortuna” é um daqueles dramas que misturam com maestria romance e aventura através de um grandioso contexto histórico. Allende, possui uma narrativa impecável, repleta de detalhes que abordam e retratam com vivacidade a grande e desenfreada busca pelo ouro que ocorreu no século 19 e que iludiu milhares de jovens por todo o mundo. A pesquisa histórica feita pela autora é bastante nítida , já que a narrativa contribuí para termos um vislumbre desse período difícil e trágico, que foi repleto de preconceito pelos estrangeiros que chegavam nas terras estadunidenses, sobretudo os latino-americanos e asiáticos.
“Desde que a notícia do ouro espicaçara a cobiça dos homens em ambos os lados do mundo, os navios entravam e saíam a um ritmo alucinante e os bordéis não davam vazão.”
Narrado em terceira pessoa, o livro nos dá um vislumbre maior dos sentimentos e das atitudes dos diversos personagens que compõem a trama. Apesar do enredo ter o foco central em Eliza, personagens interessantes, dotados de histórias fenomenais e de diferentes etnias e origens é o que não falta no decorrer do enredo e cada um deles possui sua importância no desenvolvimento da narrativa. Esse é sem dúvida o marco na escrita de Allende. Cada personagem e cada situação é cuidadosamente inserido e desenvolvido sem pressa, tornando a leitura bastante agradável.
A protagonista, Eliza, é fenomenal. Sua construção e crescimento é bastante agradável de acompanhar, vê-la crescer e se tornar mulher acaba por nos fazer sentir uma grande simpatia por ela e quando a autora finalmente torna Eliza a “heroína de sua própria história”, a personagem já está estabelecida como querida para nós e apenas queremos ver seu desfecho. É através de sua paixão avassaladora, de sua aventura, de suas perdas e de sua total falta de segurança ou noção de qual caminho ela vai seguir, que acompanhamos todo o seu amadurecimento. Ao longo da trama, a personagem é totalmente desconstruída, aprendendo a ver o mundo fora de sua bolha de vidro e se tornando por fim uma mulher fascinante e inspiradora. Ao terminamos a obra, temos certeza absoluta de que a Eliza das páginas finais não é a mesma Eliza das páginas iniciais.
“De uma coisa tinha a certeza: nunca mais poria um espartilho, nem no dia do seu casamento com Joaquín Andieta.”
Isabel Allende nos mostra, por mais que seja em um segundo plano, todo o tratamento que era destinado as mulheres no século 18 em quatro países diferentes. Países esses que são mostrados brevemente durante a trama para que a autora possa dissecar toda a construção da sociedade machista que era comum na época. Apesar dela não fazer qualquer comparação, uma coisa é certa, todos os quatro países possuíam uma forma semelhante de tratamento as mulheres que eram consideradas “objetos” tanto de desejo, quanto de procriação. A autora deixa bastante nítido como as mulheres não possuíam voz naquele tempo.
Existe uma forte discussão sobre “feminilidade” que permeia toda a obra, discussão essa que faz com que Allende transforme Eliza em uma protagonista que simplesmente quebra todos os conceitos femininos da época e se deixa ser quem ela realmente é, sem se importar com o que vão falar ou pensar. O conceito de “sexo frágil” é totalmente quebrado na obra que nos brinda com personagens femininas como Eliza e como Joe “Quebra Osso”, uma cafetina que mostra que de frágil as mulheres não tem absolutamente nada. Essa crítica e desconstrução da “feminilidade”, no entanto, é feita de uma forma bastante sútil, mas está presente em todo o livro, seja quando Eliza usa roupas masculinas ou quando Joe protege “suas meninas”. Ambas são mulheres fortes que não aceitam ter um papel pré-definido na sociedade e querem acima de tudo, ser elas mesmas, donas de suas próprias decisões.
Outro tema bastante abordado na obra, é a questão da xenofobia e do preconceito racial que eram “comuns” na época, principalmente contra latino-americanos ou asiáticos. Apesar da autora abordar esses temas com uma certa sutileza, em vários momentos durante a narrativa somos surpreendidos com diálogos fortes e pesados que retratam de uma forma crua e até mesmo dolorosa o peso que o preconceito tinha na época. Apesar de Allende não descrever de forma a chocar o espectador sobre os extermínios que aconteciam na região, as passagens são claras e deixam implícitas toda a violência que ocorria.
“Os gringos, fartos da presença de estrangeiros, juntaram-se para expulsá-los, mas os outros resistiram, primeiro com as suas armas e depois perante um juiz, que reconheceu os seus direitos.”
Todas as discussões são feitas de forma sutil, mas ao mesmo tempo cruas, através de descrições longas e bem construídas, que não apenas situam o leitor nos acontecimentos apresentados ao longo da narrativa, mas também contam de uma forma especialmente rica e elegante a aventura de uma jovem mulher em busca do amor de sua vida.
Apesar de ser um livro longo com a narrativa um tanto quanto pesada, é um daqueles livros em que o conjunto inteiro da obra te encanta. Seja pelo contexto histórico que a autora aborda, seja pelos personagens bem construídos e desenvolvidos ao longo da trama, seja pelas diversas passagens belíssimas dotadas de uma escrita primorosa e detalhista. É uma obra que foi criada para ser e degustada e contemplada de forma que o leitor consiga absorver tudo o que ela pode nos oferecer ao longo de suas quase 500 páginas. Sem dúvida uma grande obra de uma grande autora.
Olá!
Adorei a resenha 🌟
CurtirCurtido por 3 pessoas
Também gostei demais da resenha
CurtirCurtido por 1 pessoa
Awn muito obrigada *-*
CurtirCurtido por 1 pessoa
É a pura verdade
CurtirCurtido por 1 pessoa