Uma interessante narrativa simbiótica.
Nome: Cães
Autor: Júlia Grilo
Páginas: 89
Editora: Publicação Independente
Sinopse
Cuidar e crescer junto com um animalzinho de estimação é uma experiência única de aprendizado contínuo capaz de nos levar a certas reflexões a respeito da nossa humanidade e selvageria.
Dessa forma acompanhamos a trajetória de Cafeína e sua tutora, duas personagens distintas em raças, mas que ao crescerem juntas descobrem suas semelhanças tão intrigantes.
Afinal, o homem é realmente tão diferente assim dos animais?
Confesso que a capa foi a responsável por chamar a minha atenção e me fazer conhecer essa história. Sim, julguei pela estética visual e tive uma grata surpresa ao me deparar com uma narrativa um tanto estranha, mas dotada de peculiaridades capazes de torná-la intrigante e deixar o leitor imerso em uma leitura lúdica e chocante.
Aqui acompanhamos uma espécie de simbiose responsável por unir duas protagonistas distintas; a narradora sem nome que conhecemos apenas como tutora de uma cadelinha chamada Cafeína, sendo esta a segunda personagem central dessa fábula moderna.
Ambas crescem juntas, amadurecendo e descobrindo as artimanhas da juventude, aprendendo o significado de ser quem são e refletindo a respeito de suas humanidades e selvagerias.
Aos animais tudo de ruim é reservado, até o próprio nome, que pesa como chumbo. Você é um animal, dizemos com a boca raivosa, os lábios quase entortando em desprezo; dizemos desalinhando a justeza da vida dos bichos, contrapondo-os a nós a partir de nossos parâmetros. Um parâmetro asséptico que nunca funcionou, nem mesmo quando o inventamos, pois sequer o desfrutamos como pintamos e sequer o pintamos como o desfrutaríamos. Um parâmetro higienista, hermético, que não se mantém nem na embalagem dos produtos antibacterianos, justo eles que deveriam garantir a limpeza, justo eles pensados pelos melhores e mais caros homens; temos como modelo uma organização polida e insustentável, verdadeiramente alcançada apenas em raros momentos, em intervalos curtíssimos que são maximizados para parecerem comuns.
Essa é uma obra que tem como foco evidenciar nossas semelhanças com outros seres, expondo como certos comportamentos humanos são tão selvagens quanto o dos animais e como estes, considerados irracionais, possuem características e interações semelhantes as nossas.
Pode parecer estranho em um primeiro momento, no entanto conforme interpretamos as diversas indagações e reflexões propostas pela autora, Júlia Grilo, se torna compreensível perceber como nós, seres humanos, ainda possuímos aquele antro de selvageria.
Inclusive, esse ponto é irrefutável quando em um determinado momento somos atingidos na face com uma frase responsável por tornar o enredo significativo “O afeto se aprende assim como a violência”.
Um livro experimental e interessantíssimo, porém detentor de cenas fortes. Então se você tem sensibilidade quando o assunto é animais, recomendo cautela.
No entanto, mesmo com algumas sequências chocantes, essa é uma trama imersiva e reflexiva capaz de nos fazer pensar sobre a humanidade e o quanto podemos evoluir.
O humano-selvagem
Nunca havia parado para refletir sobre a minha condição humana da forma como comecei a percebê-la durante a leitura. A bem verdade, é que a construção da trama tem o poder de jogar na nossa cara verdades incontestáveis responsáveis por comprovar como o homem não é um exemplo máximo de humanidade e muitas vezes possuí comportamentos hediondos equiparáveis ao animalesco.
Essa simbiose capaz de contrapor as duas personagens que nos são apresentadas, evidenciando as diferenças de raça e expondo as semelhanças entre elas, nos faz refletir a respeito de como e porque agimos de uma determinada forma.
Pois não há como amar tanto alguém sem que nisso haja um pedaço do amor a si, que faz do outro o seu espelho: não se ama a criatura, mas a ideia que se tem dela – e o que é mais nós e mais nosso que nossas próprias ideias?
O homem é um produto do meio em que vive e durante o enredo inteiro temos essa perspectiva.
A tutora de Cafeína é uma menina em transição para a adolescência; desprezada pela mãe, ela não reconhece na progenitora um carinho efetivo para consigo. Isolada devido ao Bullying e após perder o encanto pela cachorrinha e passa a agir de forma indiferente com o animal, chegando a agredi-la.
Volto a destacar a frase do tópico anterior, se você vive em um ambiente violento as chances de reproduzir comportamentos ruins são grandes. Nesse ínterim, percebemos como a falta de amor e atenção compromete a sensibilidade de uma jovem.
Perceba, não estou passando pano para suas atitudes dela, mas sim propondo uma reflexão acerca de como a mente dessa garota estava perturbada.
Felizmente, a narradora humana reflete acerca de suas atitudes e percebe como a cadela não era tão diferente de si, é assim que enxergamos o outro ponto dessa intrigante simbiose.
O animal-humano
Porque ao termos a visão (narrada pela tutora) de Cafeína, compreendemos essas semelhanças de uma forma mais profunda.
Afinal, ela queria se ver livre dos portões que a aprisionavam dentro de um quintal cercado por enormes muros; queria gozar a vida e conhecer o mundo, sendo assim opta por fugir com o intuito de se tornar humana.
Em seus próprios questionamentos, a cadela se indaga sobre o que torna alguém um ser humano, para si a resposta mais plausível é a liberdade e a opção de ir e vir para onde e quando quiser.
A vida é tão cheia de coisas, os bichos também estão expostos a elas, diferentemente do que parece eles também vivem, veem essas coisas, em suas vidas acontecem coisas;
Durante suas aventuras conhece outros cachorros, cria vínculos, se apaixona, experimenta a dor da perda, do remorso e percebe como mesmo sendo um animal, detêm sentimentos tão complexos e dolorosos quanto os humanos.
No fim, o que realmente a difere deles?!
E assim, ela retorna para casa mudada. Não é mais a mesma de antes se tornou outra, teve consciência de si, de quem era e dessa forma se tornou alguém a mais.
Quando cheguei ao desfecho tive algumas percepções interessantes, pois se os cães e gatos sentem frio, fome, calor, porque não podem ter sentimentos tão profundos quanto os nossos? É interessante como o enredo nos coloca no lugar de um ser que não imaginaríamos ter esse tipo de pensamento e considerado irracional por nós.
Mas as semelhanças entre animais e humanos são fortes.
Uma história um tanto fabulosa
Uma das coisas que mais chamou a minha atenção e me causou uma certa estranheza é o fato da trama ser narrada na perspectiva da primeira pessoa por uma protagonista sem nome, conhecida por nós apenas como a tutora de Cafeína.
Está forma de escrita é interessante pois ela nos conta sua vida e a entrelaça com a da cachorrinha, formando assim essa simbiose entre humano e animal.
Os seus latidos que me chegavam ininteligíveis lhes saíam da garganta muito bem preparados, o que me revelava que os bichos teciam teias tal qual nós tecíamos, e construíam uma rede elaborada e útil para se localizarem no mundo tal qual nós construíamos.
Quando a cadela foge de casa e se aventura pelas ruas, a personagem em questão nos conta a trajetória do animal como se estivesse relatando uma espécie de fábula, mas não de uma forma ingênua, infantil ou delicada, o que essa narradora faz é tecer com maestria ponderamentos acerca das experiências adquiridas pela cachorrinha, fazendo toda uma análise psicológica do animal.
Essa foi uma escolha interessante, pois apresenta questionamentos pertinentes sem tornar a obra uma fábula, mas tornando-a adulta o suficiente para compreendermos as dimensões do que está sendo apresentado.
Em resumo, esse não é um enredo sobre um animal de estimação perdido e sem rumo nas ruas, mas uma análise psicológica do que nos torna humanos e das semelhanças responsáveis por tornar os animais tão humanos quanto nós.
E eu adorei isso!
“Cães” é um livro intrigante e interessantíssimo capaz de nos fazer refletir sobre a nossa humanidade. Fato é, que cada pessoa pode ter uma miríade de sensações e interpretações distintas a respeito dessa leitura.
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