Livro: O que resta de nós

[Resenha] O que resta de nós – Virginie Grimaldi

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Um livro cotidiano, mas com uma história capaz de aquecer nosso coração e nos emocionar a cada capítulo.

Nome: O que resta de nós
Autor: Virginie Grimaldi
Páginas: 267
Editora: Edição da Tag Inéditos de Junho de 2023

Sinopse

Jeanne é uma senhora de 74 anos enlutada pela perda recente de seu marido. Theo é um jovem de 18 anos sem uma casa para morar. Íris é uma mulher de 30 anos vítima de um relacionamento abusivo.

A vida destes três personagens se encontram quando Jeanne percebe que não possuí dinheiro suficiente para manter o apartamento e resolve alugar dois quartos, um para Íris e outro para Theo. E assim nasce uma grande amizade entre três pessoas tão diferentes entre si.

Livro: O que resta de nós

Terminei essa leitura com um misto de emoções dentro do peito.
Eu chorei, ri, chorei mais e ri mais ainda.


E essa montanha-russa de sensações é o ponto alto da narrativa, pois dessa forma a autora, Virginie Grimaldi, transita entre capítulos dramáticos e emotivos intercalando-os em seguida com momentos descontraídos capazes de provocar boas risadas.

O grande mérito desse livro é a sua capacidade de transitar entre o drama e a diversão enquanto aborda temas delicados como luto, negligência parental e relacionamento abusivo, de uma forma leve e responsável, sem pesar a trama, mas propondo debates e discussões significativas acerca destas questões.

No entanto, ressalto que mesmo sendo sutil, a obra detêm cenas fortes capazes de chocar leitores sensíveis. Portanto, se atente aos gatilhos.

O amor deles não conhecera grandes euforias, mas fora uma sucessão de pequenos momentos de felicidade.

E aqui conhecemos três protagonistas admiráveis. Personagens distintos que por um acaso do destino estão fadados a se encontrarem, se conhecerem e se adotarem para assim, salvar uns aos outros. Aos leitores apaixonados por “Found Family”, essa leitura é excepcional, pois Jeanne, Íris e Theo são a família perfeita, mesmo não possuindo uma relação consanguínea.

A conexão criada entre eles é maravilhosa e nos enche de ternura, pois faz o leitor compreender que os três estavam sozinhos a sua própria maneira e precisavam de um ombro amigo para conseguirem curar as feridas que a vida deixou em suas almas.

É impossível não gostar desse trio e não querer guardá-los em um potinho, pois todos são incríveis dentro da sua própria personalidade.

O luto de Jeanne

E para essa resenha em específico vou apresentar os três protagonistas em tópicos e discorrer sobre seus dramas pessoais. Portanto, vamos começar com Jeanne, a senhorinha responsável por construir uma família linda, mesmo que esta não seja de sangue.

Aos 74 anos de idade, Jeanne sofre com o luto recente de seu marido, Pierre, ao qual ela visita todos os dias no cemitério. No entanto, com a iminente perda de seu apartamento, a idosa coloca dois de seus quartos para alugar e assim conhece Íris e Theo, pessoas que passam a fazer parte da sua vida e conseguem salvá-la de sua própria solidão.

Fazia três meses que Jeanne descosturava, ponto por ponto, aquela rotina. O plural se tornará singular. O cenário era o mesmo, as horas eram as mesmas, mas tudo parecia vazio. Até a melancolia desaparecerá, como se sua vida inteira tivesse sido um treinamento para o luto que estava vivendo. Ela não sentia mais nada.

Acompanhar Jeanne em sua jornada de aceitação da morte como um ciclo da vida é um caminho doloroso e ao mesmo tempo emocionante. Recordar com a idosa seus bons momentos ao lado do marido são instantes responsáveis por nos encher de ternura, lembranças capazes de evidenciar com profundidade toda a dor provocada pela ausência de Pierre. Compreender que aquelas memórias são de um tempo passado, sem retorno, é um choque para nós e para ela.

Eu chorei com sua trajetória.
Mas chorei mais ainda quando ela aceitou o ciclo da vida.

Íris e a dificuldade de sair de uma relação tóxica

Íris é uma personagem emblemática desde o início, pois sua apresentação é um tanto interessante, já que expõe ao leitor todas as suas cicatrizes corporais e enfatiza a última marca, feita por uma pessoa do sexo oposto.

A subtrama de Íris é a mais delicada e uma das mais empáticas, pois temos uma protagonista responsável por evidenciar como deixar uma relação abusiva não é algo simples, ainda mais quando o agressor é manipulador o suficiente para conseguir influenciar a mente de alguém em situação vulnerável.

Existe um laço invisível entre as mulheres que sofreram. Nós nos reconhecemos.

Sua trajetória é libertadora, pois acompanhá-la provando seu valor, sua força e sua autossuficiência para o ex-noivo e para todos que a cercam, é incrível.

Íris foi uma das mulheres mais admiráveis que conheci esse ano e se tornou uma das minhas protegidas. No fim, eu só queria guardá-la em um potinho, pois ela merecia ser feliz.

Theo e a negligência parental

Já ouviram aquele ditado: “pessoas felizes demais possuem cicatrizes profundas”?!

Theo é o mais jovem da residência e exala uma alegria incondicional. Ele é engraçado, tem ótimas piadas, mas está quebrado por dentro. Sua história começa na infância, ao crescer junto a uma mãe alcoólatra que, devido ao vício, atenta contra a própria vida. Mediante a isso, o garoto cresce em um abrigo e sem uma perspectiva de futuro. Quando sai, aos dezoito anos, passa a dormir em um metro enquanto mantêm um emprego de aprendiz de confeiteiro em uma padaria.

Eu não sonho, eu fujo. A realidade é a minha prisão.

E assim seu caminho se cruza com Jeanne e o jovem vê na idosa e em Íris a possibilidade de ter uma família. Ao longo de sua jornada nos emocionamos com as cicatrizes que ele leva na alma e compreendemos os seus medos, receios e ataques de raiva, torcendo para ele conseguir superar suas dores e ser feliz.

Theo é um doce, alguém capaz de reunir seus pedaços e se deixar transformar em uma pessoa melhor. Afinal, seu passado não foi culpa sua.

Três solidões

Após conhecermos um pouco cada um dos três protagonistas, vamos discorrer sobre o laço que os une dentro da narrativa, pois como deu para perceber todos estão sozinhos a sua maneira e a forma como a autora desconstrói essa solidão é sensacional.

Acompanhamos cada um percebendo uma nova oportunidade de viver, novas perspectivas. Todos estão sozinhos e tristes, mas é a solidão deles a responsável por uni-los e torná-los aquela família encontrada que amamos ver interagir, seja em momentos de jogos de tabuleiro, durante um café ou um jantar, ou até mesmo quando surge uma caranguejeira em uma porta e os três se escondem em vez de lidar com o animal.

Duas superfícies lisas deslizam uma sobre a outra, enquanto duas superfícies rugosas se engatam e se tornam mais sólidas juntas.

Três pessoas completamente diferentes, mas que se unem para ajudar uns aos outros. Seja quando vão desmascarar um médium charlatão; quando tentam defender Íris de seu passado; ou mesmo quando abraçam Theo e mostram para ele a importância de não lidar com suas dores e angústias em completa solidão.

Quando penso em todas as sensações que esse livro me proporcionou, só consigo dizer o quanto amei essa história. Certamente, um favorito para a vida inteira.

E para finalizar, o sentido do título “O que resta de Nós” só pode ser compreendido após finalizarmos a leitura e refletirmos sobre quem somos. Afinal, só conseguimos enxergar a nossa totalidade como seres humanos quando tudo parece escuro a nossa volta. É um título poético capaz de se mesclar perfeitamente bem com a trama.

Avaliação: 5 de 5.

2 respostas para “[Resenha] O que resta de nós – Virginie Grimaldi”.

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