Essa leitura fará você observar a morte como muito mais do que apenas o fim da vida.
Nome: Arquivo dos Mortos
Autor: Decio Zylbersztajn
Páginas: 356
Editora: Reformatório
Sinopse: Aqui conhecemos Fefo, um estagiário de jornalismo que em seu primeiro emprego faz amizade com Ataliba, um veterano da área que escreve obituários. Os dois iniciam uma amizade composta por trocas de experiências e discussões filosóficas sobre a vida, isso até Ataliba entrar em depressão profunda e falecer, fazendo o rapaz desconfiar que a morte do amigo pode ter relação com Lena, filha de Ataliba, ou Choi, uma jovem prostituta e golpista com quem o idoso mantinha um relacionamento. Tudo se agrava mais quando Fefo descobre que na noite em que Ataliba faleceu, ambas o visitaram.
Esse é um livro sensível que discute de forma filosófica as nuances sobre a vida e a morte, apresentando novos olhares e perspectivas acerca do fim de um ciclo. É uma obra que evidencia a importância de viver e expõe questionamentos pertinentes sobre os legados que deixaremos para o futuro.
Aqui, acompanhamos um recorte da vida do jornalista Ataliba percebendo suas angustias pessoais através da percepção de seu amigo Fefo, o narrador que nos convida a compreender melhor o homem a quem se refere com devoção e também a ponderar sobre os rumos da nossa própria existência.
“Se alguém me perguntasse eu não saberia definir o que é uma morte normal. Morte é quando tudo acaba, não há nada de inesperado nela. Aliás, inesperado na vida são os capítulos intermediários e não o capítulo final. A morte é perfeitamente previsível, quanto à vida, não se pode dizer o mesmo.”
Em meio a debates literários feitos entre um grupo de amigos no meio de um cemitério e nas sombras de um araçá, conhecemos os mais diversos e excêntricos obituários que Ataliba escreveu ao longo de sua carreira. É através dessas discussões que acompanhamos conversas filosóficas e existenciais acerca da vida.
Um livro que nos leva a indagações pertinentes e novas perspectivas acerca do fim de um ciclo.
Afinal, o que faz a vida valer a pena?
Vida e Morte
E embora a obra abarque questões filosóficas existenciais, esse não é um livro de difícil compreensão. Muito pelo contrário, a escrita de Décio é simples, sem firulas, mas com detalhes e descrições inseridas em momentos pertinentes.
Sendo assim, não é complicado captar suas mensagens, até porque, os debates existencialistas são realizados durante as conversas de um excêntrico grupo de amigos, pessoas simples que possuem pontos de vista variados e simplórios sobre a vida.
“A morte iguala a todos, são as vidas que indicam a riqueza ou a torpeza da fauna humana.”
E isso não é um demérito. Ao transmitir essas reflexões de forma simples, delicada e sensível, o autor nos auxilia a refletir sobre nós mesmos, os caminhos que seguimos e os legados que futuramente deixaremos, se é que vamos deixar algum.
Sim, essa é uma narrativa que fala sobre a morte, mas sobretudo, para falar da morte é preciso falar da vida, um ponto transposto na trama de forma exemplar.
Solidão…
Ao longo da leitura, um dos pontos que chamou minha atenção é a solidão que permeia os personagens, não sendo esse sentimento algo exclusivo de Ataliba, mas sim de todos os amigos do araçá, que veem um no outro uma forma de não se sentirem sozinhos.
Lázaro é um colecionador de gibis e quadrinhos que guarda seu arquivo em uma cripta abandonada do cemitério em que trabalha, é para Ataliba e Fefo que confessa pela primeira vez seu sonho de abrir um sebo; Neide é uma acumuladora compulsiva que visita bairros ricos em busca de objetos valiosos que possam ter sido descartados; sempre bem-arrumada, nunca havia encontrado pessoas que a compreendessem.
Ambos fazem parte do grupo do araçá e se destacam por suas excentricidades. Além disso, é perceptível que o maior motivo para se juntarem ao grupo, que lê e discute os obituários de Ataliba, se trata da solidão que vivem em suas vidas particulares.
“Cemitérios contam histórias que nem precisam de narrativas, os túmulos falam por si. Existe sabedoria nos cemitérios.”
No entanto, é a solidão de Ataliba que se destaca na trama.
Já aposentado e no fim da carreira, o veterano foi abandonado pela esposa na época da ditadura militar e teve de cuidar sozinho da filha Lenina, de quem nunca foi próximo e do qual perdeu quase que totalmente o contato após iniciar um romance com Choi, uma jovem prostituta e golpista sul-coreana.
Praticamente a única coisa boa na vida de Ataliba é sua amizade com Fefo e os integrantes do grupo do araçá, mas nem isso o impede de cair em uma profunda depressão.
E a forma com que o autor trabalha a questão da solidão e como ela afeta de forma diferente cada pessoa é delicada e sensível.
Um pouco do jornalismo
E como jornalista eu não podia deixar de citar esse tópico na resenha.
Isso porque o autor conhece bastante de uma redação de jornal e expõe de uma forma crível as dificuldades que um iniciante na carreira encontra para se manter vivo dentro do mercado de trabalho. Além disso, também temos um vislumbre de como jornalistas nunca trabalham por si só, mas sim para uma redação inteira, sendo obrigado a concordar com a linha editorial da empresa para o qual presta serviços.
“Devemos desfrutar os detalhes do tempo, pois os desejos por algo não revelado ou não concretizado aprimoram a nossa sensibilidade.”
É interessante ler como Fefo lida com todas essas questões, principalmente quando certas exigências superiores começam a ferir a sua moral e ética pessoal.
Outro ponto que quero destacar é que assim como descrito na obra, muitos profissionais recém-formados apenas conseguem uma oportunidade de ingressar no mercado quando possuem a indicação de alguém que já trabalhou e é reconhecido na área. Felizmente, Fefo é um sortudo por ter se tornado amigo de Ataliba, mas a realidade jornalística pode ser bem cruel fora do mundo literário.
“O Arquivo dos Mortos” é uma narrativa que discute de forma simples e filosófica questões sobre a vida e a morte, evidenciando que o fim de um ciclo nem sempre é o fim de tudo. Uma história que nos leva a refletir sobre os legados que deixamos. Porém, tenho que destacar que acima de tudo, esse não é um livro sobre a morte, mas sim sobre a vida e como podemos vivê-la cada vez melhor.