Cruel e Cru. Esses são dois dos adjetivos com que consigo definir essa obra que já considero uma das mais reais e pesadas que tive a oportunidade de ler nos últimos tempos. Certamente, o tipo de narrativa que eu acho que todo mundo deveria ler em algum momento.
Nome: Jovens Ilusões
Autor: Jaslin Alexandra Settin
Páginas: 456
Editora: Publicação Independente
Sinopse: A festa de quinze anos da garota mais popular de uma das maiores escolas de elite do Brasil está chegando e (quase) todos querem ir. Mas a vida não se resume a uma comemoração festiva e todos os adolescentes que estão de alguma forma envolvidos com a anfitriã da festividade possuem suas dores, dramas e medos. Uma obra que reflete a realidade brasileira e como ela é cruel e afeta de forma significativa a vida de jovens que ainda não sabem de nada do mundo real.
“Jovens Ilusões” é aquele tipo de leitura que consegue dar um tapa silencioso no leitor. Uma narrativa que apresenta inúmeros personagens repletos de camadas profundas desenvolvidas em pequenas tramas que se convergem em um desfecho doloroso. O tipo de enredo que evidencia o quanto a nossa sociedade é desigual.
Uma obra focada em apresentar a realidade por meio das diversas camadas estruturais e desestruturais do nosso país, evidenciando que o “bem e o mal” são questões de escolha, assim como permanecer “em cima do muro”. Pontos que, além de estarem presentes ao longo de toda a narrativa, também deixam aquela sensação de incomodo.
“E, assim como a maior parte dos brasileiros, triste e cansada, ela se afogava em uma rotina extenuante, enterrando na luta pela sobrevivência as reflexões sobre as mazelas da vida.”
Entretanto, essa não é uma história que tenha um lado a ser escolhido, pois essa não é a sua proposta. A trama tem como foco principal evidenciar o quanto somos desiguais na nossa sociedade e como essa desigualdade, seja econômica ou social, afeta de forma significativa os jovens que crescem no nosso país.
Afinal, os adolescentes se espelham e inspiram naqueles que os geraram e se estes não são bons exemplos, quem será?
Resumindo, é uma leitura real que apresenta um desfecho que deixa aquele gosto amargo de impotência na boca do estômago.
Críticas ácidas e diretas ao governo e a sociedade
Porque se tem uma coisa que “Jovens Ilusões” faz a todo momento é bombardear o leitor com as mais diversas críticas ao sistema político e social que permeia a sociedade brasileira, evidenciando toda a desigualdade de um país que, embora belo externamente, é repleto de feiura devido aos podres de um sistema falho.
A autora expõe, de forma crua, dolorosa e incomodativa, tudo que existe de torto e errado em nosso país através de um enredo regido por uma polícia comprada por políticos que abusam de menores; fanáticos que praticam a intolerância religiosa contra religiões de matrizes africanas; pessoas que praticam a homofobia e o racismo; e toda a desigualdade social que permeia o Brasil.
“Parece que o cérebro trava sem acreditar que tamanha afronta é real… A gente ouve e sente calado… E, se a cabeça, por sorte, vem com uma resposta, aí… aí é o medo de represália que ganha, o medo de ser ofendido ainda mais… E, de qualquer forma, o silêncio e a resignação vencem… Todo mundo finge que não viu, nem ouviu nada… Eles saem impunes, e a vida segue… do mesmo jeitinho… todo dia… o nosso diabo de cada dia…”
Ou seja, essa é uma leitura que incomoda.
Seja devido as injustiças que ocorrem ao longo da trama, o posicionamento torpe de diversos personagens, ou nos momentos em que nós, leitores, vamos querer entrar na história para fazer alguma coisa; gritar, protestar.
Porém… O mais triste de tudo é perceber que em jogo de rico, apenas os pobres perdem.
São pessoas reais e complexas
E “Jovens Ilusões” é um livro que possuí personagens muito bem construídos e desenvolvidos em torno de seus próprios dramas e dilemas.
É impossível fazer a leitura e não gostar, odiar, sentir pena e se indignar com as atitudes dos jovens e adultos apresentados em uma trama que detêm o poder de despertar no leitor inúmeros sentimentos carregados de sensações boas e ruins.
Vale ressaltar que a impotência em relação a muitas escolhas é a emoção que predomina ao longo de todo o livro.
“É isso que pensam da gente: que somos TODOS bandidos, traficantes… É mais fácil assim… A verdade, pra eles, não importa!!!”
Porque ler como essas pessoas são egoístas e mesquinhas ao agirem em prol da sua própria benevolência, faz dessa história rica em mostrar o quanto o ser humano é individualista a ponto de não pensar no que o outro sente, tem ou precisa. Aqui, conhecemos indivíduos que elevam nossos sentimentos ao limite.
E devo dizer que todos os personagens são muito bem construídos ao possuírem personalidades distintas que mostram que são diferentes uns dos outros, ao pensarem e agirem de formas singulares. São humanos, reais e únicos e o leitor compreende isso ao conhecer mais a fundo cada um deles.
O desfecho amargo e real
E por fim, eu tenho que dizer que ler esse livro e sair ileso do seu final é impossível.
Aqui temos um desfecho tão amargo e doloroso quanto uma pontada no coração. Um final que destrói sonhos, vidas e evidencia que o mundo não é um conto de fadas e que as injustiças estão em todo e qualquer lugar. Uma conclusão que expõe o pior lado do ser humano exibindo sua crueldade e mesquinhez a ponto de não se importar com a vida alheia.
“Infelizmente, poucas histórias na nossa sociedade brasileira atual têm final feliz, principalmente se olharmos para fora da bolha de ilusões formada pela classe média, branca e heteronormativa e sustentada com afinco pela elite brasileira.”
Porque a realidade é assim, não é?
Não existe essa de final feliz, não existe um mundo cor-de-rosa em que tudo é perfeito para todos, em que os sonhos se realizam como a gente espera que aconteça. O mundo é cruel, ou melhor, as pessoas são que fazem do mundo cruel e se não soubermos como viver nessa sociedade egoísta, só vamos enlouquecer aos poucos.
Esse, foi certamente um dos livros mais reais e dolorosos que eu já li e eu recomendo muito que um dia, você dê uma chance a essa história, porque vale a pena.
“Jovens Ilusões” é aquele tipo de narrativa que deixa um gosto amargo na boca ao expor com dureza e crueza a realidade do Brasil, um país regido por pessoas egoístas. Uma obra que faz o leitor refletir sobre o que pode fazer para tentar mudar alguma coisa, ou seja, uma ficção baseada na nossa realidade de cada dia.