Eu não dava nada por essa leitura, mas admito que me surpreendi de forma positiva, principalmente por conhecer uma mocinha partida que eu passei a admirar.
Nome: Escritores e Amantes
Autor: Lily King
Páginas: 301
Editora: Edição da Tag Inéditos do mês de Agosto de 2022
Sinopse: Casey é uma aspirante a escritora que está com bloqueio criativo para dar continuidade ao seu primeiro romance. Morando em uma estufa adaptada, ela perdeu a mãe recentemente; está afundada em dívidas estudantis; terminou um relacionamento; e trabalha de forma exaustiva como garçonete em um restaurante, tendo de aguentar o assédio de seus superiores. Sua vida, que já estava um caos, apenas piora quando ela se vê no dilema de estar apaixonada por dois homens; o viúvo, pai de dois filhos e autor quase famoso Oscar e o poeta, professor do ensino médio e sonhador Silas.
“Escritores e Amantes” é aquele tipo de livro que vai muito além de um romance romântico focado em um triângulo amoroso. A trama principal gira em torno do turbilhão de sentimentos avassaladores que estão presos dentro da mente da protagonista Casey, uma mulher de luto que tenta apenas sobreviver dia após dia.
De fato, essa é uma narrativa em que tudo parece ter sido escrito para dar errado na vida de Casey. Seu emprego é ruim; sua mãe está morta e ela nem teve a chance de se despedir; não consegue finalizar seu livro; está afundada em dívidas; e como se não bastasse, descobriu um caroço debaixo do braço que pode ser câncer.
“Penso em todas as pessoas fazendo papéis, afastando-se cada vez mais de si mesmas, do que as emociona, do que mexe com elas por dentro.”
Resumindo, a moça parece estar no fundo de um poço lamacento, afundando cada vez mais. E é exatamente através das suas angústias e da falta de perspectiva de vida que Casey possuí, que a trama expõe de forma crua todas as emoções que prevalecem dentro de si, fazendo com que ela libere suas frustrações de forma intensa ao longo do enredo.
Acredito que essa seja uma leitura que deva ser feita no tempo certo, visto que se não há uma identificação com a protagonista, é quase impossível compreender o caos que impera dentro de si e corrói sua mente aos poucos, principalmente devido ao processo de luto pelo qual ela está passando, um período que evoca emoções que deixam a história intensa.
O luto dentro da narrativa
Entretanto, é bom frisar que essa não é propriamente uma obra sobre os estágios do luto. Acho, que inclusive passa longe disso. Porém, vale ressaltar que essa é uma história sobre as dificuldades de recomeçar, ainda mais quando tudo parece estar desmoronando.
Casey aceitou a morte da mãe, com raiva, mas aceitou. No entanto, o que ela não admite é que mesmo tendo compreendido que sua mãe não está mais consigo e não vai voltar, ela ainda não liberou todos os sentimentos dolorosos provocados pela perda. Ou seja, a personagem tranca as suas emoções dentro de si, deixando que elas corroam a sua mente e a sua própria vontade de viver e seguir em frente.
“Canto aos gansos. E a sinto. É diferente de me lembrar dela ou ansiar por ela. Eu a sinto perto de mim. Não sei se são os gansos, ou o rio, ou o céu, ou a lua. Não sei se ela está fora ou dentro de mim, mas está aqui. Sinto o amor dela por mim. Sinto meu amor alcançá-la. Uma troca breve e fácil.”
Esse questionamento é evidente em vários momentos da trama quando a moça se mostra tão esgotada mentalmente que apenas para, respira, se concentra e prende todos os seus sentimentos, mantendo aquela falsa ilusão de controle. E é exatamente esse ato que gera crises desesperadoras de ansiedade em Casey, que apenas para, grita e chora.
Nesse ínterim, ressalto que a presença de sua mãe é constante no enredo, afinal tudo é narrado através do ponto de vista da personagem que em vários momentos se lembra com carinho de sua progenitora. E mesmo que essa figura materna não esteja presente fisicamente na trama, ela é uma peça central e de grande relevância para todo o desenvolvimento da mocinha.
Vida de escritor
E se você acha que ser um escritor é fácil essa história vem pra provar que você, pequeno gafanhoto, está terrivelmente equivocado.
Na história acompanhamos a aspirante a escritora Casey que se encontra em um bloqueio criativo que perdura durante um bom tempo do enredo até que ela, por fim, consiga finalizar seu romance. Aí as coisas melhoram, certo? Errado.
Após finalizar o processo de escrita a moça inicia a revisão; faz o processo de betagem com uma amiga; revisa novamente e envia sua edição finalizada para diversos agentes literários, sendo recusada por onze pessoas até que uma agente em início de carreira e inexperiente no ramo se oferece para divulgar sua obra e pede uma nova revisão, para que, enfim, os trâmites de publicação por uma editora sejam feitos.
“Tento escrever algo novo. É ruim, e paro depois de algumas frases. Embora eu não sentisse na época, tinha entrado num ritmo com o romance antigo. Conhecia aqueles personagens e sabia como escrevê-los. Ouvia suas vozes e via seus gestos, e todo o resto parece falso e forçado. Sinto falta deles, pessoas que também já senti serem falsas e forçadas, mas que agora parecem as únicas sobre as quais eu seria capaz de escrever.”
Percebem como não é tão simples apenas escrever e ser publicado? Ler como isso funciona na prática é interessante e faz com que nós, apreciadores da literatura e aspirantes a escritores, percebamos o quanto nossos autores favoritos batalharam para chegar aonde chegaram.
E além de evidenciar a vida de autor, esse também é um livro que reúne frases esteticamente bonitas e poéticas, referenciando diversos clássicos da Literatura Mundial que Casey analisa conforme a sua própria percepção. Claro que essas análises ocorrem em pontos específicos da trama, dentro de um contexto em que a crítica literária tenha um sentido coerente na narrativa.
Resumindo, os leitores ávidos vão apreciar a trajetória de escritora e leitora da mocinha.
Uma maré de azar…
E sabe aquele ditado, ‘tudo que está ruim pode piorar’? Pois é, se encaixa muito bem com a vida de Casey em que absolutamente tudo parece dar errado a todo instante.
Eu nunca li um livro com uma personagem que sofresse tanto com coisas dando errado a todo momento. Parece que sua vida está em uma constante queda livre, sem qualquer coisa em que ela possa se agarrar. E foi exatamente esse ponto que me fez apreciar a leitura; a forma como a obra reflete a realidade ao transmitir a desolação de Casey e a sua falta de perspectiva de que algo possa melhorar.
“Há uma sensação particular no corpo quando algo dá certo depois de muito tempo de tudo dando errado. É quente, doce, solto.”
Não, essa história não foca no triângulo amoroso, visto que essa questão amorosa é apenas mais uma consequência na vida da protagonista; uma mulher que está em uma constante decadência profissional, amorosa e pessoal, tendo que enfrentar sozinha uma série de problemas de saúde e as dificuldades financeiras que permeiam seus trinta anos.
Fato é, que esse é um livro que deve ser lido no momento certo.
Afinal, se você nunca passou por um momento em que parece que você só afunda em um poço lamacento, as dores e medos de Casey não vão te provocar nenhum sentimento de empatia ou identificação, assim como suas vitórias sequer vão te emocionar.
“Escritores e Amantes” é uma leitura que fala abertamente e de forma profunda e crua sobre o luto e as dificuldades de um recomeço, expondo de forma esperançosa que é sempre possível vencer as adversidades da vida, mesmo que tudo pareça desmoronar a nossa volta.