Aviso
Essa resenha contêm Spoilers. Continue por sua conta e risco!
Alerta de Gatilhos: Xenofobia. Violência Verbal.
Uma grande viagem e uma enorme degustação de culinária, é assim que podemos definir essa leitura. Um livro que, assim como a própria gastronomia, pode ser chamado de: refinado. Pois é claro, que como um bom prato gastronômico, essa obra deve ser degustada e saboreada aos poucos.
Nome: A viagem de cem passos
Autor: Richard C. Morais
Páginas: 304
Editora: Record
Sinopse: Após o assassinato de sua mãe, Hassan e sua família resolvem se mudar da Índia para um país Europeu, afim de ajudar o pai a superar a depressão que o atinge devido a perda da esposa. Em novos ares e com novas possibilidades, rapidamente a família se estabelece em uma pequena cidade da França e inaugura um imenso restaurante de comida indiana. Mas uma chef vizinha, repleta de preconceitos, pode ser a quase ruína de Hassan e seu talento gastronômico.
“A viagem de cem passos” é aquele tipo de livro que carece de paciência por parte do leitor. Isso se deve ao fato de que pouca coisa acontece ao longo de 304 páginas, na realidade, não é que poucas coisas aconteçam na trama, mas sim que o que acontece não é tão interessante para quem não é um amante da culinária.
Confesso, que achei essa uma leitura bem entediante. Mas admito que o livro não é ruim, apenas não funcionou comigo.
Veja bem, esse é um livro lento demais. Particularmente eu gosto de narrativas lentas, entretanto, na minha percepção, essa foi uma história que não andava ao longo da leitura, o que fez com que eu achasse a narrativa arrastada e monótona.
“É preciso levar o ruim junto com o bom.”
No entanto, vale ressaltar que essa “lentidão” da obra é evocada devido a esse ser um romance de formação que foca na ascensão do protagonista, Hassan, que aspira ser um renomado Chef de Cozinha. Então, é meio óbvio que nada muito espetacular ocorre em sua vida.
Mas, antes que você desista de ler, me permita ressaltar que essa obra além de evidenciar a cultura indiana e apresentar os mais diversos pratos gastronômicos do país, também é um livro que discute com muita crueza como a xenofobia pode ser destrutiva e deixar marcas irreversíveis na alma e na pele de uma pessoa.
A viagem da família de Hassan para a França é um dos ápices da narrativa.
Um Romance de Formação Gastronômico
Em “A viagem de cem passos” acompanhamos a vida e ascensão de Hassan, um menino que se muda com a família para o interior da França a fim de que possam estabelecer um restaurante indiano no país.
Nesse quesito, dou destaque ao fato de que a trama apresenta um típico romance de formação, pois além de acompanharmos o personagem crescer, também o vemos aprender as maravilhas da culinária. E esse talvez seja um dos trunfos da obra, pois ela apresenta muito bem o contraste que existe entre a culinária apimentada indiana e a culinária refinada francesa.
Visto que, duas culturas tão distintas acabam por terem um enorme embate entre si.
“Mas é preciso lembrar também que, livre das exigências afetivas de mulher e filhos, eu pude passar a vida nos cálidos braços da cozinha.”
Se por um lado temos toda a destreza e sabores tipicamente fortes e bem temperados que provém dos pratos indianos, por outro, temos aquela culinária mais sofisticada, repleta de mescla de sabores e com pouca pimenta que conhecemos da gastronomia francesa.
Esse contraponto, além de deixar o leitor com água na boca e vontade de experimentar cada receita citada, também corrobora para evidenciar as diferenças que existem entre ambas as culturas, ressaltando um ponto chave abordado na obra; a xenofobia.
Uma obra que expõe a Xenofobia
Porque esse tema é exposto com crueza durante quase todo o enredo de “A Viagem de Cem Passos”.
E admito, que embora sejam momentos de tensão e que causam revolta, também são esses instantes que tornam a narrativa mais ágil.
Aqui, acompanhamos toda a trajetória da família de Hassan que passa a sofrer constantemente com a xenofobia, tanto por serem imigrantes que se mudam para a França, quanto por fazerem sucesso com seu restaurante de comida indiana.
“Há coisas na vida que não podemos ver mas que nos esperam na primeira esquina. É exatamente nessa hora, quando nosso caminho está indefinido, que devemos ficar corajosamente calmos, colocando um pé na frente do outro ao marcharmos cegamente para a escuridão.”
Em um início conturbado da obra, o leitor se depara com ataques velados que são imensamente desconfortáveis de ler. Entretanto, é em apenas um passo que os ataques passam a ser violentos e conseguem em um piscar de olhos mudar para sempre a vida dessa família.
Porque é justamente devido a toda essa intolerância que a obra detêm aquele ponto de virada na trama; o momento ideal para que as coisas mudem. E devo admitir que essa mudança na narrativa é muito bem construída em cima de uma situação revoltante, visto que o preconceito é duro e deixa marcas irreversíveis na alma e, muitas vezes, na pele de uma pessoa.
Uma Viagem Literária
Um dos pontos que certamente chama a atenção na obra é o fato dela ser uma grande viagem, como o próprio título diz.
Embora ao longo da leitura a paisagem local não fique explícita em descrições detalhadas, a sensação de viajar de um país a outro é perceptível e presente a todo instante na narrativa, principalmente nas referências gastronômicas que a obra faz e no choque cultural que acomete a família de Hassan.
“A vida sempre tem surpresas e depois de ter tanta sorte parecia que estava novamente na hora de eu dar uma virada à indiana.”
Nesse ponto, destaco o quanto o autor evidencia a riqueza cultural da Índia ao colocá-la frente a uma cultura totalmente diferente. Sendo assim, vale mencionar que a obra faz uma breve reflexão ao fazer o protagonista se perder enquanto se permite aprender um novo tipo de culinária em uma nova cultura.
Nesse ínterim, vale destacar o desfecho da obra, que apresenta um Hassan que se recorda com saudade de suas origens, percebendo a sua própria riqueza cultural. É dessa forma, que o protagonista se permite valorizar a sua cultura e consegue mesclar os sabores indianos com os sabores franceses de forma excepcional.
“A Viagem de Cem Passos” é um livro para ser degustado por um certo grupo de leitores. É um daqueles exemplares refinados que deve ser apreciado devagar. Porque além de evocar culturas, essa obra se propõe a deixar o leitor ávido por conhecer a gastronomia indiana e francesa.