Alerta de Gatilhos:
Violência. Escravidão. Aborto. Crueldade. Assassinato. Abuso Sexual. Venda de Pessoas. Espancamento. Abuso de Poder.
Um relato cruel e doloroso de como era a vida no Sul escravagista dos Estados Unidos do século XIX. Uma história que fala sobre viver e fazer o possível para manter suas origens vivas, mesmo que seja dentro de si.
Nome: Pheby
Autor: Sadeqa Johnson
Páginas: 318
Editora: Edição da Tag Inéditos do mês de julho de 2022.
Sinopse: Pheby é uma jovem fruto de um estupro, violência perpetrada pelo mestre da plantação em que vive contra Ruth, uma escrava. Considerada uma negra de pele clara, a menina é educada pela tia e cresce tendo a certeza de que no seu aniversário de 18 anos conseguirá a sua tão sonhada liberdade. Entretanto, devido à crueldade da senhora da plantação e esposa do Mestre, a jovem é vendida como escrava pouco antes de completar a maioridade. É assim que a garota é comprada pelo senhor de uma prisão de escravos que a faz sua companheira, um homem cruel conhecido como Maligno.
Esse é aquele tipo de leitura que faz o leitor ter que parar em vários momentos para respirar e tentar absorver as crueldades que são apresentadas ao longo da narrativa. Um livro forte que expõe com crueza e realismo um período histórico em que seres humanos eram tratados como inferiores por conta de sua cor.
Essa não é uma obra fácil de ser lida, mas é necessária.
Aqui conhecemos Pheby, a protagonista e narradora da trama, uma personagem que perdeu as esperanças de se ver livre, mas que se torna forte e enfrenta tudo, todos e qualquer consequência para proteger e proporcionar a liberdade aos seus filhos, tentando ao máximo manter suas crianças vivas e longe dos horrores da escravidão.
“Beleza é uma maldição para uma escrava.”
Uma história que fala sobre resistir e persistir em uma sociedade hierarquizada cor, visto que em um século em que ser negro era sinônimo de perder a liberdade, aqueles que tinham a pele mais clara tinham um pouco mais de “oportunidades”. Ou seja, é uma obra que evidencia de forma significativa o quanto os aspectos do colorismo impactam as estruturas de uma sociedade.
Porque infelizmente, por mais que já tenha se passado mais de um século em que a escravidão foi abolida, ainda vivemos em um mundo em que o racismo e o preconceito ocorre de forma estrutural.
Pesado, cruel, doloroso
Uma coisa que eu tenho certeza que você, leitor, vai fazer ao longo dessa leitura é parar para respirar mediante a toda crueldade exposta na narrativa. Parágrafos e capítulos sem filtros, que exprimem de forma crua como era ser negro em um Estados Unidos do século XIX. Aqui temos passagens longas que transmitem com riqueza de detalhes sórdidos todos os aspectos tenebrosos desse período histórico.
Acompanhamos a protagonista viajar em comboios lotados de pessoas submetidas a um tratamento insalubre e desumano; mulheres tendo seus corpos violados e dando à luz a crianças mortas devido as condições de saúde inexistentes; crianças sendo vendidas, violadas e chicoteadas porque não fizeram o serviço direito.
Cada trecho dói, machuca e evoca um clamor de revolta dentro de nós.
“Você só é escrava no nome. Nunca na sua mente.”
E por mais que a trama não se atenha a aprofundar em alguns personagens secundários, é impossível não se sentir mal por seus destinos decididos por brancos que se acham superiores. Homens sendo chicoteados até quase a morte; mulheres sendo violentadas na frente de inúmeras pessoas. São de momentos assim que a narrativa é composta.
Sim, esse é um livro absurdamente forte, porém é uma obra escrita e baseada em uma pesquisa profunda que expõe uma realidade que infelizmente ocorreu. É uma leitura que não dá para fazer de uma vez, mas que nos marca enquanto leitor e provoca inúmeras reflexões.
A protagonista
Inspirada em uma mulher que realmente existiu, temos muito a falar sobre essa personagem que resiste e persiste em meio a um mundo sem esperanças para os seus. Pheby é forte e que faz tudo que é necessário para conseguir viver em um período em que tudo se voltava contra as suas origens.
Tendo nascido com a pele mais clara, fica nítido na narrativa todo o conceito de colorismo e como este fazia com que negros mais claros tivessem a ilusão de terem “oportunidades” que eram negadas a seus irmãos de pele retinta. Isso porque, a sensação de uma liberdade concedida a eles era falsa e usada como uma forma de controle e cárcere. A protagonista percebe isso ao longo da trama, compreendendo que mesmo sendo a companheira do dono da prisão e por consequência senhora do lugar, ainda assim tem seus direitos negados e é tratada como uma prisioneira que tem regalias.
“Meus dias de menina tinham acabado. Agora eu precisava pensar como uma mulher.”
E é exatamente ao deduzir que está presa dentro de um lugar que lhe propõe a falsa sensação de autonomia que ela opta por fazer de tudo para salvar aquilo que importa para si: seus filhos. Porque é por eles e pela liberdade deles que ela move mundos e terras, enfrenta o marido e coloca a própria vida em risco, apenas para proporcionar aqueles que ama a vida livre que ela e sua mãe sempre sonharam em ter.
A personagem é uma heroína; uma mulher que aguenta ver o seu povo sofrer nas mãos de um homem sem escrúpulos e que sente prazer em torturar seres humanos; uma mulher que tem que aguentar calada ser violada todas as noites; uma mãe que tem que ver seu filho mais velho ser tratado como escravo e que teme todos os dias vê-lo ser chicoteado.
É com medo e angústia que ela sobrevive e se torna a luz no fim do túnel para algumas pessoas, salvando-as de um destino cruel ao colocar sua própria vida em risco, lutando bravamente contra todas as suas amarras e saindo vitoriosa.
“Pheby” é uma narrativa forte, repleta de momentos angustiantes que farão o leitor parar para respirar e refletir. Porém, é aquele tipo de livro necessário para que possamos olhar para os erros do passado e nunca repeti-los. Afinal, mesmo que um século tenha se passado desde que a escravidão foi abolida, ainda vemos inúmeros episódios de racismo e preconceito ocorrem e isso é algo que precisa mudar e acabar.