[Resenha] O Terror – Dan Simons

Importante!
Por ser uma história baseada em fatos, portanto ao longo de toda a resenha haverá links para matérias de sites específicos que explicam um pouco mais do que ocorreu com a expedição HMS Terror. Porém, vale lembrar que embora baseado em fatos, o livro é uma ficção.

Aviso!
Essa resenha contêm Spoilers! Continue por sua conta e risco.

Alerta de Gatilhos!
Canibalismo. Violência. Assassinato. Mutilação.

Uma narrativa prolixa que funciona perfeitamente bem dentro do contexto do “horror” proporcionado pelo autor. Uma história que mostra com crueza de detalhes como o ser humano, sem perspectiva de vida, se deixa levar pelo caminho animalesco de seus instintos primitivos.


“Mas o que é a própria morte senão a rendição final?”

Nome: O Terror
Autor: Dan Simons
Páginas: 813
Editora: Rocco


Sinopse: Quando os navios de exploração britânica Erebus e Terror ficam presos numa região remota do ártico, mal sabiam seus mais de 100 tripulantes que descobririam o verdadeiro horror em uma terra gelada. Sem perspectiva de vida, com a comida escassa e uma fera do gelo sempre a espreita, só resta fé para aqueles homens. Mas por quanto tempo essa fé durará? Afinal, mais de três anos presos no gelo consegue mudar e muito a forma de pensar de muitos homens.


Esse é aquele tipo de leitura que o leitor que decidir se aventurar em suas páginas têm de se preparar para o que vai encontrar. Digo isso, não apenas porque a obra é recheada de gore, cenas fortes de mutilação e ataques ferozes, mas também porque a escrita de Dan Simons é prolixa ao extremo, sendo por muitas das vezes parada e cansativa demais.

“Aquela coisa do gelo era tão demônio ou deus quanto era carne animal e pelo branco. Era uma força a ser aplacada, idolatrada ou simplesmente evitada.”

Entretanto, aquele que conseguir sobreviver as duras páginas de longas descrições e apresentações de personagens, que possivelmente vão morrer, serão muito bem recompensados com uma das melhores histórias do gênero horror que se pode conhecer.

Essa não é uma leitura fácil, visto que esse é um daqueles raros exemplares que merece ser degustado a cada página, uma daquelas histórias que se constrói aos poucos, uma obra que Simons não teve nenhuma pressa de escrever, apenas se deixou guiar e construiu uma narrativa tenebrosa que revela ao longo de suas mais de setecentas páginas, a pior face do ser humano desesperado.

Prolixidade e muitos personagens

Talvez a prolixidade da escrita seja o maior empecilho para a leitura. A trama tem um começo lento, sem muita coisa a acontecer. São cerca de duzentas páginas que nada muito instigante ocorre. Porém, ressalto que toda essa lentidão é a forma que o escritor encontrou para preparar caminho para o que virá.

É uma escrita lenta sim, mas que tem o tom perfeito para deixar o leitor ansioso, curioso e angustiado em querer saber o desenrolar de toda a trama que evidencia como o desespero se instala dentro de cada um de nós e aos poucos vai se abrindo para momentos absurdos de tensão. Uma leitura que tem o poder de amedrontar por ser lenta.

“O monstro no gelo era apenas mais uma manifestação de um diabo que os queria mortos. E que desejava que sofressem.”

Ademais, toda essa lentidão da narrativa tem um propósito interessante, afinal o enredo se passa durante os três anos finais do naufrágio. Ou seja, o tempo é de grande importância para que se compreenda o que aqueles homens estão passando dia e noite… Ou melhor, noite e noite, afinal no ártico é como se não existisse dia.

Outro ponto a ser ressaltado são os personagens descritos. São mais de 100 marinheiros que tripulam os dois navios e todos são mencionados. Alguns, é claro, são mais importantes que outros e tem seus dramas e passados desenvolvidos ao longo da trama, mas a maioria só é mencionada, seja em momentos específicos ou na hora de suas mortes.

O nome das embarcações

Quando estava pesquisando sobre o naufrágio para entender um pouco mais sobre os fatos que originaram a história, descobri uma analogia bem interessante em relação aos nomes dos navios. (Para quem quiser ver, deixarei aqui o Link da analogia feita).

O artigo em questão mencionava que a escolha dos nomes das embarcações os teria amaldiçoado, como uma espécie de superstição.

“Acreditam que sua astúcia é algo mais, é antinatural… sobrenatural… Que há um demônio lá fora no gelo, no escuro.”

“Erebus” para quem não sabe, provém da mitologia grega, sendo filho do Caos e a personificação das trevas e da escuridão, algo curioso, já que durante a trama está inverno no ártico, o que torna os dias tão escuros quanto a noite.

Quanto ao nome “Terror”, este nem carece de uma explicação, mas destrinchando a etimologia da palavra, podemos dizer que ela deriva da mesma palavra vinda do latim e que significa “pavor imenso”, algo que os tripulantes embarcações sofrem bastante.

Apesar de ser apenas uma especulação baseada em crenças, é interessante perceber que ambos os navios possuíam nomes sombrios. Para aqueles mais supersticiosos, realmente podemos ter alguma coisa relacionada a carma. Em uma opinião pessoal, acredito que seja apenas coincidência, uma macabra coincidência.

Clima sombrio da imensidão branca

Voltando a resenha. Aqui temos uma atmosfera que é bem presente e também medonha de se imaginar.

Aquele leitor que já teve contato com obras que se passam no ártico, como por exemplo “30 dias de noite”, certamente terá boas referências para se lembrar do quanto a imensidão branca do Polo Norte é terrivelmente assombrosa e assustadora.

“Ar frio descia constantemente pelo iluminador como as exalações congelantes de algo há muito morto, mas ainda se esforçando para respirar.”

Aqui, o autor evidencia a todo momento o quanto os dias e noites são iguais, não existindo o calor do sol, sendo a imensidão branca presente a todo momento, podendo não apenas cegar os homens que estão perdidos em meio a neve, como causar sequelas graves em cada um deles, desde a hipotermia, até amputações severas de membros.

Falar dessa obra e não mencionar o quanto sua atmosfera é sombria e pavorosa, é um erro. Afinal, é exatamente toda a brancura do ártico que faz com que esse seja um ótimo livro de horror.

A solidão em meio ao naufrágio

Uma dos pontos mais evidentes no enredo é o quanto a solidão afeta aos personagens que estão presos no gelo.

Talvez você se questione e até reflita que eles estavam ali, juntos, que tinham a companhia de seus companheiros de trabalho. Ok, é uma resposta válida. Mas, pense você e se coloque no lugar de todos aqueles marinheiros, presos no gelo há mais de três anos, longe de seus familiares, com homens que servem ao mesmo propósito que eles; “trabalho”.

“Abandonar navio era o ponto mais baixo na vida de qualquer capitão. Era uma admissão de completo fracasso. Era, na maioria dos casos, o fim de uma longa carreira naval.”

Ante a isso, temos um segundo agravante que se trata da falta de perspectiva ao qual esses homens são submetidos. Todos possuem aquela esperança dentro de si, isso é fato, mas o tempo passa e conforme ele passa, as chances de salvação se tornam cada vez menores, assim como as lembranças acabam ficando cada vez mais distantes.

No fim, só resta aos homens esperar e conversar entre si. Muitos são solitários, muitos lembram de seus entes queridos e muitos tentam apenas aproveitar cada dia que acordam vivos. Fato é, que conforme o tempo passa, todos perdem a esperança, ainda mais quando uma criatura misteriosa os persegue.

A criatura e a cultura Inuit

Apesar de ficar evidente que o grande vilão do enredo é o próprio clima e a passagem de tempo, o escritor insere muito bem um perigo externo que os persegue a todo instante; a criatura conhecida pelo povo esquimó como Tuunbaq.

Conhecida como “A Criatura”, apenas nas últimas páginas seu nome e sua origem são revelados e, na minha sincera opinião, esse é o ponto alto do livro. Isso porque temos uma ótima construção e pesquisa da cultura Inuit em que as superstições locais desse povo, bem como algumas de suas mais famosas lendas, são expostas de forma primorosa.

“Todos comemos almas. Mas os velhos homens e mulheres maus ilisituk eram ladrões de almas.”

O interessante disso, é perceber como o escritor não poupa esforços para explicar tudo, fazendo o final se estender por cerca de 100 páginas, apenas para que tudo fique conectado sem pontas soltas. A criatura é totalmente coerente com o que é proposto desde o início da narrativa através da construção da mitologia Inuit.

Com um pé na realidade, a construção do monstro bem como sua origem é não apenas interessante, como necessária para que tudo seja comprovado ao final.

Nesse ponto, vale mencionar que esse é um livro baseado em fatos e que até mesmo o que foi mencionado do monstro e da cultura Inuit foi descrito pelos nativos do ártico para navegantes que procuravam pelas embarcações, mas claro, que tudo que foi dito foi desacreditado, então espertamente o escritor lida com toda a trama que tem em sua mão como apenas “ficção”.

O tempo é o verdadeiro vilão

E mesmo que tenhamos uma criatura hostil e até mesmo um homem insatisfeito que se deixa levar pelos seus instintos animalescos e se torna um verdadeiro “vilão”, há de convir que aqui o verdadeiro vilão é o próprio tempo.

Veja bem, são marinheiros perdidos em meio ao gelo durante mais de três anos. Todos passam frio dentro dos conveses gelados das duas embarcações, todos se alimentam com comida enlatada de péssima qualidade, muitos tem membros amputados devido ao congelamento e muitos outros acabam sofrendo de doenças como hipotermia ou escorbuto.

“O que é caçar além de uma alma buscar outra alma e impor a ela a submissão final da morte?”

Aqui, o tempo é uma bomba relógio. Afinal, quanto mais os dias se passam e a esperança de um resgate caí, mais os homens adoecem e mais a morte se aproxima. O tempo não é controlável como o homem, é por isso que ele é o pior inimigo nessa situação.

Além disso, vale mencionar que com o passar do tempo, os ânimos ficam acelerados e certas malícias começam a surgir nos homens. Afinal, ninguém é de ferro e para tudo tem um limite.

Os homens são seus próprios demônios

É assim que entramos no último tópico de uma das resenhas mais longas que já fiz aqui no Admirável Leitura. Afinal, sem uma perspectiva de salvação, com o tempo passando e a morte a espreita, os ânimos se afloram e não é difícil perceber que aquela sementinha maligna na mente de alguém começa a germinar.

É assim, que o canibalismo impera, assim como o assassinato de semelhantes, bem como o sorteio para saber quem será o próximo a morrer para alimentar os outros. É triste pensar que muitos homens se sujeitaram a isso, mas é mais triste ainda perceber que esse tipo de atitude não está longe da realidade. 

Afinal, quem somos nós para julgar pessoas em situações limites? Será que faríamos diferente?

“Vingança, sugerem alguns filósofos naturais e endossam os marinheiros, é uma das mais Universais motivações humanas.”

Fato é, que não podemos condenar os homens que se deixaram levar pelo desespero e cometeram atos crueis com seus semelhantes. Todos queriam sobreviver e a mísera perspectiva de uma luz no fim do túnel era como uma mísera centelha de esperança em corações devastados.

Mas, não vamos generalizar, pois sempre existe a escolha e cabe a cada um escolher o que fazer. Aqui, não é diferente e nem todos sucumbem a seus instintos animalescos. Uma forma que Simons encontrou de mostrar que mesmo em situações adversas, ainda é possível ser humano.

O Terror” é um livro absurdamente bom. Uma daquelas leituras imersivas que consegue fazer o leitor sentir na pele o desespero que cada um dos personagens sente e perceber que muitas das vezes o pior monstro que pode caminhar sobre a terra é o próprio homem e não uma criatura desconhecida.


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