Aviso: Essa resenha possuí Spoilers. Continue por sua conta e risco.
Para os mais fracos, tenho certeza de que essa história poderá causar aquele breve sentimento de “medo” e um arrepio na espinha. Para os mais fortes, sei que essa será uma narrativa interessante de conhecer, por ter todos os elementos de boas histórias góticas de horror, nada que assuste muito, mas sim que causa uma certa nostalgia.

Nome: O Grande Deus Pã
Autor: Arthur Machen
Páginas: 69
Editora: Sem Editora
Sinopse: Em um dia, após encerrar o expediente de trabalho, Vilhen reencontra Herbert, um velho amigo da faculdade que sobrevive mendigando pelas ruas. Os dois param para conversar e Vilhen questiona seu antigo companheiro de aulas, como ele chegou aquele estado. Herbert se limita a responder que sua decadência moral e humana foi culpa de uma bela mulher… É a partir desse ponto, que Vilhen fica obcecado em tentar encontrar a mulher que destruiu a vida de seu amigo. E talvez, essa moça possa estar envolvida com a morte de alguns homens.
Sim, eu sei. Você deve estar se perguntando o que essa sinopse tem a ver com o título. Acredite, eu te contei apenas o necessário para que você se sinta curioso o suficiente para querer conhecer esse causo. Fato é, que eu omiti certos detalhes que explicariam a conexão entre ambos.
“Ora, o pavor e o horror da própria morte, os pensamentos do homem que está de pé no ar cortante da manhã na plataforma negra, amarrado, o sino dobrando em seus ouvidos e espera pelo estrépito estridente do ferrolho, nada são comparados a isso.”
“O Grande Deus Pã” é aquele tipo de livro que em pleno século XXI, já se encontra datado. Para leitores acostumados com horror, essa não será uma obra com grandes sustos, mas sim nostálgica, com uma grande influência gótica que apresenta aquela atmosfera sombria da Londres vitoriana; o cenário mais que perfeito para causos de assombrações.
E apesar de atmosfera permeada por sombras, essa é uma leitura sem grandes atrativos de horror, mas que mesmo assim detêm sua parcela de mistério a ser resolvido que pode chocar leitores mais impressionáveis. Além disso, vale mencionar que a discussão em relação a ciência e o fato dela fazer exatamente qualquer coisa para obter êxito em suas pesquisas consegue chocar devido ao egoísmo e crueldade humana que eram empregados em determinadas pesquisas.
A Ciência sem Humanidade
Essa é uma abordagem absurdamente cruel detalhada ao longo de “O Grande Deus Pã”, e que para ser citada carece de inúmeros spoilers.
Então, vamos lá!
Logo no início da trama, conhecemos um médico que está prestes a fazer um experimento com uma moça que ele havia adotado. Experimento esse, que visa fazer a “cobaia” se encontrar com o temível “Deus Pã”.
E como ele faria isso? Através de uma tecnologia que a deixaria em transe.
É pertinente mencionar que nesse ponto, as coisas são bizarras. Primeiro, porque o médico utiliza de uma cobaia humana e viva para realizar seu experimento, sem ter qualquer vislumbre se aquilo que ele faria, daria certo ou não. Além disso, ele havia adotado a moça que o considerava um pai.
“Eu vi o inconcebível, horrores tantos que às vezes até eu mesmo paro no meio da rua e pergunto se é possível a um homem contemplar essas coisas e continuar vivo.”
Pois bem, o experimento falha e a moça sofre danos cerebrais permanentes que a deixam presa em cima de uma cama até o fim de seus dias. Ela entra em um estado catatônico.
Percebe como isso é macabro e desumano?
Nesse ponto, fica claro a crueldade da ciência, bem como o egoísmo presente na atitude do médico. É quase impossível ler o desdobramento da cena e não sentir um aperto no peito em relação a moça que considerava o o cientista um pai.
Infelizmente, na medicina antiga existem vários relatos que comprovam que a ciência passava acima de tudo para obter êxito. A obra pode ser de ficção, mas seu contexto é real, assim como as artimanhas terríveis da ciência do nosso passado.
Atmosfera sombria e agoniante
Mesmo que esse não seja um livro que cause sustos ou medo no leitor dos tempos atuais, dou destaque a narrativa agoniante do autor, Arthur Machen, que possuí aquela característica veia de horror vitoriano na forma como escreve e descreve a atmosfera sombria em que se passa a trama.
“Eu não pensei que ela tinha um nome. Não, não, não naquele sentido. Só humanos tem nomes.”
Seja em momentos em que os personagens estão conversando e adquirindo informações pertinentes referentes ao mistério do enredo, ou mesmo, pelas inúmeras passagens amedrontadoras em que eles caminham pelas ruas desertas da Londres vitoriana em uma madrugada.
São momentos que detêm uma enorme carga de melancolia, demonstrando toda a desolação que permeia a obra, apresentando um cenário hostil, degradante e desagradável que corrobora para que “O Grande Deus Pã” seja uma história incomoda. Mesmo que esse incomodo seja sútil nos dias atuais, ele existe e está presente em toda a trama.
Final inesperado
E esse é o ponto que mais me marcou na leitura e me fez gostar de conhecer “O Grande Deus Pã“, mesmo que ele não tenha me causado qualquer tipo de medo.
“A pele, a carne, os músculos, os ossos e a estrutura firme do corpo humano que eu pensava ser imutável e permanente como adamante, começaram a derreter e se dissolver.”
O Plot apresentado ao final por Machen, é no mínimo inesperado. Ele quebra de todas as formas tudo o que o leitor achava que poderia saber. O interessante nesse ponto, é perceber como os próprios personagens conseguem nos guiar para o caminho errado, apresentando provas de que este está certo em suas teorias.
É gratificante, perceber que todas as teorias criadas ao longo da leitura se quebram apenas no último parágrafo do livro.
Quando a grande verdade é exposta, o leitor com toda certeza se sentirá enganado e obrigado a reler o ponto em que as coisas são reveladas, tanto para que tudo se esclareça em sua mente, como para que a trama fique conectada, sem pontas soltas.
Fui tapeada, como sempre.
Grande Relato
E por fim, mas não menos importante, gostaria de destacar a forma narrativa de Machen.
Em “O Grande Deus Pã“, somos apresentados a uma composição que remete a uma espécie de grande relato feito por alguém. É interessante perceber como esse tipo de obra no passado, se refere a algo sólido e verdadeiro, que podia causar uma certa sensação de pânico ao leitor.
“É tão inacreditável, tão monstruoso; tais coisas não deveriam existir nesse mundo calmo, onde homens e mulheres vivem e morrem, e lutam, e conquistam, ou talvez falhem, e caem na tristeza, e sofrem e passam por estranhas fortunas por muitos anos.”
Mais interessante ainda, é ver como nós, na nossa contemporaneidade encaramos relatos assim.
Eu, particularmente, acho histórias contadas em forma de relato, nostálgicas. Tanto por lembrarem de autores conceituados como Edgar Allan Poe ou George Sand, quanto por perceber como a sociedade antiga tinha medo do desconhecido.
“O Grande Deus Pã” é uma narrativa nostálgica que fará o leitor apreciador do horror se divertir em achar que sabe o final e ser surpreendido por ele. A leitura pode não causar qualquer sensação de medo nos dias atuais, mas é gratificante de ler e conhecer os medos que nossos antepassados cultivavam e que para nós, hoje em dia, não passam de horrores ilusórios.