Uma obra regada de nuances Noir e que não decepciona em nada os saudosos fãs do gênero de cinema. Três novelas policiais que surpreendem por terem um ponto singular em comum; não possuem finais felizes para os detetives. Três obras que se ligam e interligam ao longo da narrativa, apresentando uma história única, repleta de referências a si mesma.

“O centro do livro se desloca a cada acontecimento que impele a história para a frente. O centro, portanto, está em toda parte e nenhuma circunferência pode ser traçada antes que o livro chegue ao fim.”
Nome: A Trilogia de Nova York
Autor: Paul Auster
Páginas: 337
Editora: Companhia das Letras
“A Trilogia de Nova York” é um livro que não tem sinopse, afinal são três novelas distintas apresentadas ao leitor, portanto, cabe a mim fazer uma resenha um tanto diferente e apresentar o resumo de cada novela, bem como o que achei de cada uma delas.
Mas antes, vamos falar um pouco dessa obra como um todo.
Aqui, temos três narrativas que referenciam muito bem tramas policiais Noir. As histórias possuem aquele foco no detetive e principalmente nas suas emoções e seus sentimentos, evidenciando como suas nuances são os motivos para que a investigação acabe dando errado ou certo.
O interessante nesse ponto, é perceber que tudo acontece em cada uma das narrativas exclusivamente por conta dos detetives. E é assim que temos os desfechos, nada felizes, de cada uma das três tramas.
“Todo homem precisa de um pouco de consolo, sobretudo quando seu dia de morrer pode ser amanhã.”
Porque se tem uma coisa que eu curti foram os desfechos de cada investigação. Não são felizes para o detetive, muito pelo contrário, são finais que deixam aquela ponta de amargura no leitor pelo fato de mostrar que investigadores são tão humanos quanto nós e estão suscetíveis a erros e finais trágicos. Algo interessante de abordar.
Outro ponto que vale a pena ressaltar é que, embora sejam três novelas distintas em que cada uma possuí começo, meio e fim, de alguma forma elas se interligam com a história seguinte, tendo boas referências ao longo da trama e culminando no desfecho do livro que corrobora com a teoria de que as histórias de alguma forma estão interligadas, seja por suas semelhanças ou pela reciclagem de nomes.
E além disso, aqui temos a mesma premissa em cada trama; um detetive que de alguma forma se vê obrigado a investigar e seguir o paradeiro de uma certa pessoa que considera o seu algoz. Fato é, que embora não sejam algozes de verdade, os três investigados têm grande relação com o desfecho de cada detetive, não apenas isso, mas cada um dos “vilões” é importante para todo o andamento das tramas.
Mas agora vamos falar individualmente de cada novela.
Cidade de Vidro
Aqui acompanhamos a história de Quinn, um escritor que em um belo dia recebe uma ligação equivocada em seu telefone; do outro lado da linha, um rapaz visivelmente perturbado o chama de Paul Auster (sim, o próprio autor é um personagem e um escritor na trama) e pede sua ajuda. Quinn tenta explicar que a ligação foi um engano, mas quando começa a receber a mesma chamada toda semana em intervalos regulares de tempo, ele resolve se passar pelo tal detetive Paul Auster.
É aí que uma trama de perseguição se inicia.
“Foi um número errado que começou tudo, o telefone tocando três vezes, altas horas da noite, e a voz do outro lado chamando alguém que não morava ali. Bem mais tarde, quando ele já se sentia capaz de refletir sobre as coisas que lhe aconteceram, chegaria à conclusão de que nada era real a não ser o acaso.”
Esse é o conto que abre a trilogia, mas não apenas isso, essa também é a trama que faz com que a gente conheça a escrita de Auster. E admito que a forma narrativa do autor não é fácil de ler. Paul Auster detêm uma escrita floreada, apelando paro o sentimentalismo ao evocar as emoções de seus personagens. É uma escrita diferente, mas fácil de se acostumar com o tempo.
E embora seja uma novela, aqui temos um desenrolar lento, mas que faz sentido com a trama interligada que o autor apresenta. Caminhamos com Quinn e compramos a ideia de que ele é um detetive, nos importamos com ele e ficamos chocados com o desfecho de sua trama.
Nesse ponto, ressalto que o autor se consolida ao evidenciar finais inesperados e trágicos para seus personagens.
Fantasmas
Nessa novela acompanhamos o detetive Blue, que é contratado por um homem chamado White para vigiar um indivíduo chamado Black.
Como Blue é um detetive particular, ele aceita o caso e se muda para um hotel que fica exatamente em frente ao prédio em que mora Black, alugando um quarto disposto na direção da residência de seu algoz. Blue passa a vigiar Black inteiramente, noite e dia, seguindo seus passos e se disfarçando de pessoas para conseguir falar com o homem misterioso que passa seus dias escrevendo algo em um caderno de capa vermelha.
“Para Blue, as palavras são transparentes, grandes janelas colocadas entre ele e o mundo. E até agora nunca impediram sua visão, nem sequer pareciam estar ali. Ah, existem ocasiões em que o vidro fica um pouquinho manchado e Blue precisa limpá-lo em um ponto ou outro mas, assim que encontra a palavra certa, tudo se esclarece.”
E talvez a premissa o tenha lembrado demais daquele filme maravilhoso do saudoso Alfred Hitchcock “Janela Indiscreta” porque a premissa é semelhante, embora a história seja diferente e muito bem construída ao longo do enredo.
Aqui temos uma questão interessante que remete ao famoso “Duplo” da literatura. Afinal, Black se assemelha demais a Blue e parece que tem alguma coisa de muito estranha com ele.
O que pega nesse conto é a sutileza e calma com que Auster constrói a narrativa, tornando o quarto de hotel de Blue claustrofóbico e, fazendo o leitor compreender a loucura e agonia que o personagem sente ao vigiar um homem que não faz absolutamente nada a não ser escrever em seu caderno vermelho.
Novamente, o final é surpreendente, mesmo que possa causar um misto de confusão ao leitor. Afinal, boa parte da trama se sustenta no estranho e insólito, apresentando uma solução confusa, mas coerente com a narrativa apresentada.
O quarto fechado
Aqui conhecemos a história do escritor Fanshawe que desapareceu do mapa e deixou ordens expressa para que sua esposa, Sophie, procurasse um de seus amigos de infância e o fizesse ler e publicar suas obras nunca expostas.
O narrador da trama e amigo de infância de Fanshawe resolve não apenas publicar a obra de seu desaparecido e possivelmente morto amigo, como também fazer uma busca por ele, para tentar solucionar o mistério por trás de seu sumiço. A investigação não obtém sucesso, o rapaz é dado como morto e o escritor, depois de publicar as obras de seu falecido amigo e fazer sucesso com elas, se casa com Sophie.
Tudo parecia perfeito, até Fanshawe, o morto, enviar uma carta para o nosso narrador.
“As histórias só ocorrem com aqueles que são capazes de contá-las, disse alguém certa vez. Do mesmo modo, quem sabe, as experiências só se apresentam àqueles que são capazes de vivê-las.”
Essa foi a novela que menos gostei da trilogia, mas, ao mesmo tempo, foi a mais curiosa de acompanhar. Isso porque o início da narrativa apresenta uma trama que começa dando certo, caminhando para um suposto desfecho feliz. Porém, em um rompante narrativo o “conto de fadas” começa a ruir e tudo parece dar errado.
O que eu gostei nessa história é o fato de como o protagonista e narrador da trama começa a se sentir mal por seu amigo estar vivo e passa a não querer saber de absolutamente nada do passado dele, de sua agora esposa Sophie ou da família de Fanshawe. É interessante notar como as coisas se desenrolam para o pior e mostram o quanto o narrador da trama está suscetível a erros.
De todos, o final dessa novela é o único que não nos dá resposta, encerrando a trilogia de uma forma aberta e, até mesmo, “duvidosa”.
E é por isso que após finalizar a leitura, percebi que esse é um livro que deve ser relido inúmeras vezes, para que todo o seu complexo enigma possa ser desvendado.
“A Trilogia de Nova York” é um livro saudoso que apresenta três narrativas distintas e semelhantes que remetem aos clássicos policiais Noir. Com histórias que apresentam um aprofundamento nos sentimentos dos detetives narradores, o livro é um deleite para leitores de romances policiais que desejam sair do “mais do mesmo” e encontrar algo diferente e audacioso.
excelente texto sobre Paul Auster
CurtirCurtido por 1 pessoa
Muito obrigada! Fico feliz que tenha gostado.
CurtirCurtido por 1 pessoa