Livro: Vamos Comprar um Poeta

[Resenha]Vamos comprar um poeta – Afonso Cruz

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Existem resenhas que se tornam quase impossíveis de serem escritas pelo fato da obra ser complexa e profunda a ponto de trazer reflexões e discussões em um texto curto, belo e sensível. Pois é, estou falando da história que vou lhes apresentar hoje.

Nome: Vamos Comprar um Poeta
Autor: Afonso Cruz
Páginas: 96
Editora: Dublinense

Sinopse

Imagine uma sociedade em que o capitalismo é imperativo e tudo é milimetricamente calculado, medido em números e em valor monetário. Um mundo em que a arte é considerado algo inútil e fútil. É nesse universo que conhecemos uma família que cede aos pedidos da filha mais nova e compram um poeta, um ser humano que passa a viver naquele antro familiar como se fosse um animal doméstico. Mas seria possível que suas poesias mudassem aquelas pessoas aprisionadas em suas mentes fechadas?

Livro: Vamos Comprar um Poeta

Esse é aquele tipo de livro que em menos de 100 páginas faz o leitor refletir durante um longo período acerca de tudo que a trama deseja transmitir em sua essência. É uma narrativa diferente, mais crua, enxuta, sem tanta beleza poética em seu início, mas que evoluí gradativamente para um texto mais lírico.

Isso porque a história é narrada pelo ponto de vista da filha mais nova da família e protagonista da trama, uma personagem que cresceu e vive em uma sociedade regida pelo capitalismo, um mundo em que a arte é vista como algo “inútil”. Ou seja, tudo é descrito através do olhar de uma menina que nasceu e cresceu nessa realidade alternativa.

As pessoas veem o tempo a passar enquanto nós vemos o tempo a parar. Num segundo, uma eternidade.

Sabendo disso, um dos pontos mais interessante dessa distopia é perceber como o ponto de vista da narradora se altera ao longo da trama, conforme ela começa a se deixar levar pelas influências artísticas do poeta. Vale mencionar inclusive, que nessa sociedade milimetricamente calculada, as pessoas não possuem um nome, mas sim um número que as identifica.

Resumindo, essa é uma história peculiar, dotada de uma infinita beleza narrativa que além de possuir críticas ácidas em relação a sociedade e política mundial, também nos força a pensar e refletir sobre os aspectos culturais, políticos e sociais da nossa própria realidade.

Um livro reflexivo

Porque se tem uma coisa que essa leitura faz é instigar o leitor a contemplar sobre como o nosso mundo tem desvalorizado algo tão importante como a cultura.

Com uma narrativa focada em apresentar uma família que está passando por problemas financeiros em um lugar em que o capitalismo é imperativo e tudo é milimetricamente calculado, se torna quase impossível não ponderar como a nossa própria realidade seria diferente se as manifestações culturais passassem a ser consideradas algo “inútil”, vistas como coisas sem valor.

Um poema se pode encontrar dentro de qualquer coisa ou mesmo espalhado pelo chão.

É bizarro refletir como seria viver em um lugar em que artistas são vendidos como animais de estimação para famílias. Esse é um ponto que espelha a nossa própria vida ao expor com dureza uma certa semelhança com a nossa realidade, principalmente quando o leitor se depara com diálogos e atitudes tomadas ao longo da trama.

Afinal, alguns artistas como pintores, por exemplo, fazem “sujeira” e se uma família não possui mais recursos financeiros para manter seus “artistas de estimação”, o abandono em uma praça é sempre uma solução. Identificou alguma semelhança com o tratamento que muitas pessoas destinam a seus companheiros de quatro patas?

Essa é a forma que o autor encontrou para chamar a atenção sobre muitas atitudes tomadas em coletivo, além disso, esse tipo de exposição abre precedentes para que ocorra um debate acerca do caminhar da humanidade, afinal, conhecemos bons exemplos de pessoas que consideram a cultura algo inútil.

A importância cultural  presente na narrativa

E apesar de ser uma distopia focada em apresentar uma sociedade em que não existem manifestações culturais, é nítido como a arte faz falta dentro do universo criado por Afonso Cruz. Um mundo decadente que detêm uma ausência de vida e de felicidade.

A chegada do artista naquela residência, abre não apenas as portas para que a família possa se encontrar dentro de si, como também enxergar soluções aonde antes não havia nada que se pudesse fazer. É através da poesia que cada um dos quatro integrantes daquele seio familiar consegue perceber, mesmo que pouco, os defeitos daquele governo capitalista e assim, tentam tornar suas vidas um pouco melhores, mais vivas.

A cultura não se gasta. Quanto mais se usa, mais se tem.

A cultura é essencial para a existência humana e isso fica evidente ao longo da trama. É ela que faz com que nós, seres humanos, possamos ter um pouco de alento e paz em nossas vidas, uma certa tranquilidade.

Pare para pensar, quantas vezes hoje você se deparou com uma música tocando, com uma pintura pendurada na parede ou uma estátua te encarando?! Pois é, sem a arte a vida não teria cor e sem a poesia seria quase impossível não se sentir solitário em um beco escuro sem saída.

Vamos Comprar um Poeta” é um livro simples, curto e de linguagem fácil, narrado de forma sutil e apresentando discussões pertinentes que fazem o leitor refletir sobre como a humanidade tem caminhado para algo semelhante com a distopia criada por Afonso Cruz.

Avaliação: 4.5 de 5.

9 respostas para “[Resenha]Vamos comprar um poeta – Afonso Cruz”.

  1. Avatar de DejallDom - O Escritor
    DejallDom – O Escritor

    Realmente é uma resenha muito densa. Afinal, o objeto da resenha é muito mais denso e provocante. ” Vamos comprar um poeta” está transitando em um mundo mais baixo do que o capitalismo a que se refere. Está mais próximo ao regime monárquico dos mais densos dos níveis do Umbral.

    Curtido por 2 pessoas

    1. Avatar de Admirável Leitura

      Uma análise interessante, não havia percebido esse ponto. É o tipo de leitura que cabe inúmeras releituras ao longo da vida.

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  2. Avatar de DejallDom - O Escritor
    DejallDom – O Escritor

    Realmente é um livro que leva a alta reflexão. Atrevo-me a comparar com o “Pequeno Príncipe” de de início pode ser uma simples literatura infantil. Mas com o passar das páginas a idade do pensamento evolui tanto que nunca mais será esquecido o momento mágico da primeira página.

    Curtido por 2 pessoas

    1. Avatar de Admirável Leitura

      Ótima comparação. O tipo de livro que precisamos reler com o tempo e conforme relemos só engrandecemos nosso conhecimento.

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  3. Avatar de Danilo Moreira

    Muito interessante essa temática. Fiquei curioso!

    Curtido por 2 pessoas

    1. Avatar de Admirável Leitura

      É um livro sensacional Danilo, recomendo demais a leitura. Acho que você pode gostar.

      Curtido por 1 pessoa

  4. Avatar de Ana

    Muito obrigada por ter falado deste livro aqui. Sempre confio nas suas indicações e antes mesmo de ler sua resenha já fui ler o livro. E eu amei demais, sem palavras para este livro. E esse epílogo foi sensacional também. Vou tirar um tempo só para estudar um pouco sobre.
    Adoro seu blog^^. Bjs

    Curtido por 1 pessoa

    1. Avatar de Admirável Leitura

      Aaaaah Ana eu fico tão feliz de ler isso e saber que você gosta e confia nas minha indicações. Muito obrigada pelo carinho ❤️. Fico muito feliz que tenha gostado da obra e sim, faça um estudo sobre, acho que é aquele tipo de livro que quanto mais a gente rele, mais ele engrandece nosso conhecimento.

      Curtido por 1 pessoa

  5. Avatar de o.resenheiro

    Os livros do Afonso Cruz são muito poéticos. Além desse, li também recentemente “Nem todas as baleias voam”, com frases como “Tenho um amigo que diz uma coisa: não abras as gaiolas dos pássaros, senão morrem de liberdade”. Dele ainda pretendo ler “Flores” e a “A boneca de Kokoschka”!

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