Aviso: Essa resenha pode conter um ou mais Spoilers.
Continue por sua conta e risco.
Alerta de Gatilhos: Assassinato. Envenenamento. Vingança. Traição.
O presente e o passado se convergem em uma única narrativa evidenciando que, muitas das vezes, lembranças perdidas de um tempo distante pode nos ajudar em algum aspecto da nossa vida, trazendo respostas que nem sabíamos que precisávamos.
Nome: A Pequena Loja de Venenos
Autor: Sarah Penner
Páginas: 318
Editora: Livro do mês de Maio da Tag Inéditos
Sinopse: Após descobrir o caso extraconjugal de seu marido, Carolina sai em uma viagem por Londres a fim de repensar toda sua vida e o que fará a partir de então. Deprimida e se sentindo vazia, ela aceita participar de uma atividade chamada “Caça a Relíquia” nas margens do Rio Tâmisa. Eis que na atividade, ela encontra um misterioso frasco com uma peculiar gravura de urso, ou será que foi o frasco que a encontrou? A descoberta faz renascer dentro de seu peito a historiadora há muito adormecida e que um dia ela sonhou ser.
“A pequena loja de venenos” é aquele tipo de livro que mescla com maestria passado e presente, apresentando personagens que se conectam por meio de suas dores e vontades. Uma história com diversas referências históricas apresentadas em uma trama que, por vezes, se encontra em uma Londres do final do século XVIII ou nos nossos dias atuais.
Uma história regada de segredos que envolvem o passado, mas também de um certo drama em volta da protagonista do tempo presente; uma mulher que deixou de ser quem era para agradar o marido, um homem detestável que consegue manipulá-la utilizando o poder do discurso.
“É a coisa mais angustiante do mundo, causar dor em alguém, mesmo quando você sabe que é para ajudar.”
É assim, que Carolina passa a se descobrir quando começa uma busca incessante para desvendar um tempo longínquo e distante.
Quanto a trama regida no passado, conhecemos uma personagem que se deixou corroer pelas dores de uma traição, envenenando sua alma com a vontade de vingança que imperava em seu coração. É nesse contexto que o livro apresenta ao leitor a boticária assassina, Nella, uma mulher que repensa sobre sua vida quando conhece a pequena e curiosa Eliza.
Um prato cheio para historiadores
Acredito que uma das melhores partes de “A pequena loja de venenos” é acompanhar a jornada de Carolina em busca de informações sobre a boticária assassina.
A moça é esperta e audaciosa, se deixando guiar pelos instintos de historiadora que existe dentro de si. Ela busca, procura, encontra e investiga. O fato mais interessante, é que a personagem vai descobrindo tudo junto com nós, leitores, porém a trama faz com que a gente sempre esteja um pé a frente dela.
“Eu vejo todo tipo de mapa no meu trabalho, mas os antigos e obscuros são os meus preferidos. Sempre há alguma margem para interpretação, uma vez que os lugares mudam um pouco com o passar do tempo.”
Isso se deve ao fato da narrativa ser contada através de três vozes distintas: a de Carolina no presente; e a de Nella e Eliza no passado. Sendo assim, ao longo de todo o livro, o leitor acompanha as descobertas da historiadora enquanto descobre exatamente como cada situação ocorreu por meio do ponto de vista das personagens que viveram em uma Londres Vitoriana.
E, embora a obra não tenha descrições detalhadas dos cenários londrinos da época abordada, ainda assim, é um prato cheio para o leitor imaginar a Londres do final do século XVIII e comparar com todas as mudanças que ocorreram na cidade nos nossos dias atuais; algo frequentemente citado nas investigações de Carolina.
Eu diria que esse é o trunfo de toda a história.
Um drama familiar
E “A pequena loja de venenos” não é apenas uma trama investigativa, afinal existem muitas camadas nessa obra.
Aqui, temos todo um background dramático em volta das duas protagonistas mais velhas da trama, visto que Carolina e Nella, possuem muito em comum; mulheres que foram traídas e que precisam superar a dor e a humilhação que esse tipo de situação provoca.
“Como é que de repente eu fui capaz de entender que felicidade e satisfação eram coisas completamente distintas?”
E embora esse pano de fundo das personagens seja semelhante, a forma com que cada uma delas lida com a situação é diferente, mesmo que em ambos os casos elas tenham que superar toda a insegurança que uma traição acarreta em um relacionamento.
Enquanto Nella, demora uma vida inteira para se dar conta do quanto perdeu por remoer o seu passado, Carolina percebe que a vida é curta demais e que está mais do que na hora de ela pensar em si mesma e dar uma chance a seus sonhos e vontades.
Ou seja, a construção dramática de ambas as personagens é impecável, assim como os desfechos de suas trajetórias.
Nella e Eliza
E não dá pra fazer uma resenha de “A pequena loja de venenos” e não mencionar a grandiosidade da amizade construída entre a boticária Nella e a pequena e curiosa Eliza.
Uma relação forte e bonita, que permeia o amor materno, visto que o sonho da boticária era ser mãe. E fica nítido na narrativa que Eliza é o alicerce para que Nella se permita enxergar a si mesma e o que está fazendo consigo. A garota se torna o sopro de vida e esperança que ela precisava. E o ponto forte dessa relação de companheirismo entre as duas é a admiração que Eliza passa a nutrir pela boticária, não se importando com o fato dela envenenar e matar homens; a garota admira sua amiga por sua inteligência e astúcia.
“A história não registra as minúcias das relações entre as mulheres; não é para serem reveladas.”
E algo que acho que vale a pena ponderar, é o fato de que talvez, Eliza tenha se aproximado de Nella por puro egoísmo, para poder usufruir dos dons da mais velha. Entretanto, é nítido no desfecho da obra que a menina passa a nutrir um carinho enorme pela mulher. Até porque, as personagens confiam seus segredos uma a outra, se ajudam, tentam não falhar e mesmo quando falham, fazem os maiores sacrifícios para proteger a amizade que surge entre elas.
Um ponto que vale ressaltar é que a trama de Eliza é um tanto mais profunda, afinal a menina tem um pano de fundo bastante cruel que evidencia o que muitas criadas jovens sofriam nas mãos de seus patrões durante a época vitoriana. Um ponto que faz o leitor refletir sobre quantas moças não sofreram e morreram nesses tempos em que a mulher não tinha voz.
A vingança nunca é plena
Porque para finalizar essa resenha é necessário trazer a tona o grande “que” dessa trama, que é o fato da vingança não ser benéfica e Nella é a prova viva disso.
Após ser traída por seu amado Frederick, a moça passa a confeccionar venenos em sua loja de remédios com o intuito de ajudar mulheres que querem se vingar de seus maridos, amantes, irmãos, pais… homens que lhes fizeram mal. Entretanto, conforme os anos passam a boticária percebe que o que faz não a deixa feliz ou plena, não tira o peso da traição de seu coração.
É assim que Nella adoece.
“Um coração partido é comum a todos e não distingue classe social.”
Porque a vingança não faz bem para nossa mente e nem para nosso corpo, ela apenas castiga nosso interior. Ao longo de suas reflexões na narrativa, a boticária faz questão de frisar que a doença que a acomete provém do desejo de vingança que passou a tomar seu corpo e espírito.
E embora isso possa parecer forçado e até mesmo um tanto de remorso por parte da protagonista, vamos lembrar da frase de um episódio memorável de Chaves “A vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”. Talvez, essa frase nunca tenha estado tão certa e encaixado tão bem em um contexto.
Porque se você quer saber, a vingança não neutraliza a dor.
“A pequena loja de venenos” é um livro interessante que apresenta três perspectivas em tempos distintos que constroem uma narrativa que se converge ao longo da trama e evidenciar o quanto duas mulheres de tempos diferentes, podem ser iguais. Personagens que encontram o melhor que existe dentro de si.
Excelente resenha!
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Muito obrigada!
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