Alerta de Gatilhos: Crueldade Animal. Abuso Psicológico. Bullying. Abuso Sexual.
Poucas leituras são capazes de provocar aquele sentimento de vazio e perturbação no leitor. Poucos livros, chocam ao apresentar de forma crua e visceral a mente de uma pessoa instável. E são poucas as obras que fazem o leitor criar empatia por um personagem que exerce escolhas e atitudes perversas… Esse é um desses livros.
Nome: O Pássaro Secreto
Autor: Marília Arnaud
Páginas: 190
Editora: Record através do Selo “José Olympio“
Sinopse: Aglaia Negromonte está entrando na adolescência. Possuindo um quadro severo de ansiedade e depressão, a menina sofre com a bulimia devido ao bullying constante por conta de seu peso. Com traços de sociopatia, a vida de Aglaia vira de cabeça para baixo quando seu pai traz para casa Thalie, uma filha fora do casamento, fruto de uma traição. Sem saber como lidar com a situação e com pais negligentes, ausentes e narcisistas, Aglaia só tem um pensamento constante: precisa dar um fim em Thalie.
“O Pássaro Secreto” é aquele tipo de livro que quando terminamos de ler, sentimos um vazio dentro de nós. Uma sensação de impotência e perturbação. E isso, se deve ao fato de que a autora, Marília Arnaud, cria de forma formidável uma personagem quebrada, com distúrbios que são evidenciados de forma crua ao longo da narrativa.
Um desenvolvimento tão impecável que chega a ser impossível não sentir nenhum traço de empatia pela personagem.
“O Mundo estendia-se até os confins da palavra. Carregada de significados, a palavra podia me contar o mundo, mesmo que o mundo não fosse real.”
Fato é, que mesmo com a protagonista da trama, Aglaia, tendo escolhas e atitudes questionáveis, cruéis e reprováveis, ainda assim, é possível se sensibilizar com a forma como suas emoções e sentimentos afloram.
Mérito alcançado tanto pela narrativa em primeira pessoa, que evidencia o quanto a garota se encontra confusa; quanto pela abordagem de família tóxica que temos na trama. Porque se tem uma coisa que a obra aborda com perfeição é a relação conturbada entre a filha e seus pais. Uma relação familiar quebrada devido a falta de atenção, ausência e principalmente narcisismo de seus progenitores.
Aglaia pode ter errado, mas ela é muito mais vítima de sua família do que qualquer outra coisa.
É por isso que é fácil sentir empatia pela personagem, mesmo que suas atitudes sejam terríveis em vários momentos.
Família Tóxica
E é essa irresponsabilidade familiar que faz com que Aglaia seja como é.
Em “O Pássaro Secreto”, somos presenteados com uma família tóxica, regada por um pai narcisista, ausente, autoritário e mulherengo. Um homem desprezível, que se tranca em seu escritório e não confere qualquer assistência para seus filhos, os deixando a mercê da crueldade do mundo, sem qualquer tipo de apoio.
Não apenas Aglaia sofre com essa ausência, mas seus irmãos também.
“O mundo cheirava mal. Havia coisas demais estragadas no mundo, especialmente em minha casa. Por dentro de mim tudo ardia, como se o meu corpo inteiro fosse uma ferida e alguém soprasse por cima.”
Quanto a matriarca da família, uma mulher apagada pela sombra do marido e que muito provavelmente sofre de algum nível de depressão. Uma dona de casa que cuida do lar, mas que deixa seus filhos de lado e apenas sobrevive dia após dia.
E tudo piora na vida da mulher quando a filha fora do casamento de seu marido aparece em suas vidas.
Sendo assim, é evidente e inquestionável que anos de negligência moldaram Aglaia, fizeram dela uma personagem triste e melancólica; fazendo-a desenvolver diversos distúrbios psíquicos.
Uma família ausente e tenebrosa. Um antro familiar que apenas se importa com as coisas, quando tudo saí de controle.
Infelizmente, quando pai e mãe abrem os olhos, já é tarde demais.
Os Distúrbios Psíquicos de Aglaia
E uma coisa que é muito bem abordada, explorada e evidenciada pela autora, Marília Arnaud, em “O Pássaro Secreto”, são os mais diversos distúrbios psíquicos desenvolvidos por Aglaia.
Através da narrativa em primeira pessoa, o leitor se vê dentro da mente conturbada da personagem, experimentando seus medos, anseios e principalmente tendo a possibilidade de compreender todas as suas emoções e sentimentos.
“Quando eu conseguisse acolher a minha face mais sombria, mais imperfeita, mais bem oculta em mim, estaria finalmente livre para ser feliz.”
Nesse ponto, ressalto que essa forma narrativa pode se tornar confusa durante o enredo apresentado; isso porque Aglaia narra os acontecimentos derradeiros de sua vida e divaga sobre diversas questões pertinentes, expondo suas opiniões e sentimentos.
Por vezes, acompanhar a mente da personagem não é fácil, o que torna a leitura enfadonha em alguns momentos.
Entretanto, reconheço que é devido a todas as divagações da protagonista e a exposição de seus sentimentos que o leitor sente empatia pela garota, principalmente nos momentos finais da trama, que além de surpreender, sufocam por apresentar um desfecho chocante.
O medo do novo e do diferente
E sim, a família tóxica de Aglaia é a grande responsável por todas as coisas ruins que acontecem na vida da personagem. O principal ponto é que devido a isso, a garota não sabe como lidar com o novo, com o diferente e por serem negligentes, seus pais não percebem o terror que as mudanças causam na menina.
Porque o novo e o diferente pode ser assustador para uma criança e para uma adolescente.
Se já é tenebroso para nós, adultos, imagine para alguém que ainda não entende todas as nuances da vida; não compreende o quanto as coisas podem mudar de uma hora para a outra. Porque é assim que Aglaia se sente com a chegada de Thalie, como um peixe fora d’água, com medo de que a nova irmã possa tomar seu lugar.
“Havia muita confusão no interior das pessoas. Carregavam o céu e o inferno. Uma imensidão de contrários que me dava ânsia de esbravejar até a minha boca se romper. Amor e ódio, força e fragilidade, doçura e azedume, desapego e mesquinhez, tristeza e alegria, medo e bravura. O melhor e o pior. E no meio daquilo tudo, um mistério.”
E quando tudo parece corroborar com seus medos e ninguém tem o mínimo de vontade de sentar, conversar e explicar para ela a situação, a garota não vê alternativas a não ser terminar com tudo aquilo.
Sim, suas atitudes são cruéis e reprováveis.
Sim, eu fiquei com raiva de Aglaia em bons momentos da narrativa.
Sim, eu a achei uma criança chata.
Mas até que ponto ela merece tudo isso?!
O que quero dizer é que Aglaia foi uma vítima, tanto da sua própria mente, quanto da sua família. E quando, por um mísero segundo, eu me coloquei em seu lugar, percebi que assim como todos a sua volta, eu havia falhado com ela. E foi assim que eu terminei a leitura com um peso dentro de mim, um vazio, uma melancolia.
Eu realmente fiquei incomodada com essa história.
“O Pássaro Secreto” não é um livro que eu recomendo para todos. É uma leitura pesada, com uma narrativa confusa, mas que detêm uma história que faz o leitor sentir empatia por uma personagem que por estar quebrada, possui as mais diversas e perversas atitudes. Um livro que choca e perturba.
Parece muito interessante, este livro 😉
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Ele é bem pesado, mas bastante profundo no desenvolvimento da protagonista. Recomendo a leitura.
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