Falar desse livro é um grande desafio. Exaltar que essa é uma das histórias mais belas que já li, é complicado. Mas, deem uma chance a essa obra e conheça a trajetória de uma mulher que deseja apenas dar voz a todas as mulheres silenciadas ao longo de nossa história.
Nome: O Livro dos Anseios
Autor: Sue Monk Kidd
Páginas: 448
Editora: Edição da Tag de Março de 2022
Sinopse: Ana é uma moça que vive com sua família em uma casa na Galileia. Ela cresce vendo seu pai servir ao império romano e seu irmão se rebelar contra o governo que os torna subservientes. Com uma vontade imensa de escrever sobre as mulheres silenciadas na nossa história, Ana cresce com a certeza de que nasceu para emprestar sua voz e suas palavras a essas figuras femininas. Entre um casamento arranjado com um homem mais velho e uma acusação de roubou que quase a leva a ser apedrejada, a moça vê sua vida mudar quando conhece um rapaz que exala o amor por Deus; Jesus.
“O Livro dos Anseios” é aquele tipo de obra que tem uma escrita um pouco lenta, principalmente por se tratar de um romance de formação, já que na trama acompanhamos um período específico e importante da vida da protagonista, Ana. Sendo assim, em alguns momentos essa pode ser uma leitura um tanto enfadonha. Entretanto, garanto que esse ponto é apenas mero detalhe presente na grandiosidade dessa narrativa.
Um ponto importante a se destacar em relação a esse livro é o fato de que a autora, Sue Monk Kidd, imaginou uma esposa para Jesus. Sim, na obra, Ana é a esposa do filho de Deus, uma mulher, que se houvesse existido, teria sido silenciada pela nossa história mundial.
Polêmico, né?!
Embora, essa premissa choque um determinado publico em um primeiro momento, devo ressaltar que a autora é imensamente respeitosa ao longo de toda a narrativa, visto que aqui não temos críticas religiosas ou qualquer tipo de ataque. Nada que possa ser desrespeitoso.
“Entre todas as emoções, a esperança era a mais misteriosa. Crescia como a lótus-azul, a partir de corações enlameados, e era linda enquanto durava.”
Porque o que realmente prevalece nessa obra é a história de Ana e de como ela se torna a voz das muitas mulheres silenciadas e esquecidas em um tempo em que o sexo feminino não detinha qualquer direito ou liberdade de se expressar. Uma personagem forte e astuta, que usa das suas palavras como uma forma de protesto para evidenciar que as mulheres deveriam possuir tantos direitos quanto os homens.
Nesse ínterim, vale lembrar, que a narrativa se insere em um contexto em que o machismo e sexismo reinava ao redor do mundo.
Ademais, um ponto que devo mencionar é toda a construção e humanização que a autora faz de Jesus, tornando-o um personagem humano, mas que se torna divino ao longo de sua trajetória. Outra questão que vale ser ressaltada é o quanto esse livro expressa o amor de Deus, já que ao longo da obra existem inúmeras passagens belíssimas que mostram que o amor do Criador por nós é incondicional.
Período Histórico
Vamos começar a resenha de “O Livro dos Anseios” pela parte mais fundamental da história; o seu contexto. Porque o momento histórico em que se passa a trama é de suma importância para que o leitor entenda o porque a autora optou por abordar um tema tão polêmico; criar uma esposa para Jesus.
Veja bem, estamos falando de um período específico em que a mulher não tinha voz na sociedade. Um tempo em que o sexo feminino não podia estudar ou entrar em templos; um período em que a menstruação era vista como algo impuro, assim como a morte de crianças no ventre ou após o nascimento. Todas essas questões, eram vistas com maus olhos pela sociedade, sendo assim, as mulheres sofriam diversos tipos de abuso, sejam eles físicos ou psicológicos.
“Boas mulheres tinham filhos. Boas mulheres queriam filhos. Era ensinado precisamente a cada menina o que boas mulheres faziam e não faziam. Carregávamos aqueles ditames como pedras do templo. Uma boa mulher era modesta. Era silenciosa. Cobria a cabeça quando saía. Não falava com homens. Cumpria suas tarefas domésticas. Obedecia e servia ao marido. Era fiel a ele. Acima de tudo, dava-lhe filhos. Melhor ainda, filhos homens.”
Um tempo em que o casamento arranjado era uma prática comum na sociedade e moças jovens podiam ser vendidas por suas famílias em troca de poucas moedas, comida e terras. Mulheres que tinham que se submeter a assédios e situações constrangedoras cometidos por homens que possuíam uma posição mais elevada na sociedade.
Com base em todos esses pormenores, ao lermos a “Carta da Autora” sobre a escolha do tema e a inspiração para criar Ana e fazer de sua personagem conjugue do homem mais santo da história, fica um tanto fácil entender as motivações da escritora.
Afinal, esse é um período histórico que pouco se tem relatos, histórias sólidas e pesquisas abundantes sobre como era a vida naquele tempo. Sendo assim, mesmo que possa parecer uma blasfêmia, não é impossível que Jesus possa ter tido uma esposa durante sua vida, até porque existe uma lacuna em sua vida, um período que compreende uma parte de sua idade. E foi exatamente nessa brecha que Sue Monk Kidd sustentou a criação de seu romance.
Entenda que eu não estou afirmando absolutamente nada!
Todo esse texto é uma mera análise lógica com base em algumas pesquisas que fiz antes de iniciar a resenha e também na própria “Carta da Autora”. Não é uma afirmação, apenas pondero essa remota possibilidade. Vale mencionar, que esse tema já foi debatido e refutado por inúmeros historiadores.
O que interessa nessa questão, é o fato de que a autora tem argumentos para ter escolhido esse tema base para seu romance; não foi uma decisão aleatória, mas sim baseada em considerações.
Novamente, ressalto que eu não estou afirmando nada e a autora tampouco.
Deus e a humanização de Jesus
E agora vamos falar da narrativa em si.
Um dos pontos que mais gostei em “O Livro dos Anseios” foi como a autora se ateve em humanizar a figura de Jesus ao longo da trama, transpondo-o para nosso mundo como um homem devoto e bondoso, antes que ele viesse a se tornar o homem divino que é hoje.
Como mencionei no tópico acima, ao longo da leitura eu fiz pesquisas acerca de “Jesus, o homem”, e ressalto que uma das coisas mais evidentes na narrativa é a forma cuidadosa da pesquisa de Sue Monk Kidd, visto que a autora apresenta com fidelidade o retrato de um homem nazareno que viveu naquela época e que devido aos seus feitos milagrosos se tornou um santo nos dias atuais.
Quanto a construção da personalidade humana de Jesus, devo dizer que é pura, delicada e bela. Um homem admirável por ser justo, bondoso e repleto de uma inesgotável fonte de amor e compreensão.
“Haviam me ensinado que Deus era uma figura similar aos homens, só que muito mais poderoso, o que não me reconfortava, porque as pessoas podiam ser uma enorme decepção. No entanto, reconfortava-me pensar de repente em Deus não como uma pessoa igual a nós, mas como uma essência que vivia em toda parte. Deus podia ser amor, como Jesus acreditava. Para mim, era Eu Sou o Que Sou, a existência entre nós.”
Aqui também temos inúmeras referências a Deus, tanto pelo fato de Jesus ser um devoto incondicional a Ele, quanto devido a Ana, que possuí questionamentos pertinentes acerca do Criador, expressando inúmeros rompantes filosóficos e divagações espirituais ao longo da narrativa. Momentos de fé e reflexão.
Então sim, acima de qualquer coisa, esse é um livro que fala sobre ter fé. Uma obra que inspira a nós, seres humanos comuns e pecadores, a queremos ser o melhor de nós mesmos e assim como Jesus, inspirar amor. Porque é exatamente isso que essa narrativa expressa, como devemos amar ao próximo como a nós mesmos.
Uma história criada através da essência do amor.
Ana e as Mulheres na antiguidade
E, por fim, vamos entrar no tópico que realmente importa e que é a essência vital desse livro. Porque essa não é a história de Jesus de Nazaré, mas sim de Ana e inúmeras mulheres que podem ter existido, mas que acabaram sendo silenciadas ano após ano.
O cerne da questão que encabeça essa obra é o fato do quanto a figura feminina foi excluída ao longo da nossa história e o quanto muitas mulheres se tornaram lendas ou forma completamente ignoradas e esquecidas para sempre.
Ana é a protagonista disposta a dar voz a todas essas figuras femininas, a ser um eco recorrente que expunha o tratamento desumano e cruel delegado a ao sexo feminino. Uma personagem que usa da sua palavra para mostrar que as mulheres não estavam e nunca estiveram sozinhas e que podiam contar com algo mais; com Deus.
Ler a história de Ana é edificante.
“Quando lhe digo que tudo ficará bem, não quero dizer que a vida não trará tragédias. A vida será a vida. Só quero dizer que você ficará bem apesar disso. Tudo ficará bem, não importa o que aconteça.”
E uma coisa que chama atenção na narrativa é o fato da personagem ser humana, detendo qualidades e defeitos. Essa humanização é essencial para evidenciar o quanto a figura de Jesus influencia em uma mudança espiritual e mental da protagonista, que ao longo de sua jornada aprende com seus erros, e passa a questionar suas próprias atitudes.
Ana não é uma perfeita e por vezes tem atitudes que, nós leitores, vamos condenar. O fato de ser a esposa de Jesus não faz dela uma pessoa acima de todas as outras e esse ponto é crucial, pois além de não tirar a divindade do filho do Criador, também evidencia o quanto eles são diferentes.
A protagonista é única, perspicaz e questionadora. Acima de tudo, Ana é aquele tipo de protagonista que vamos nos identificar por ser falha e por estar longe da perfeição. Por errar e por fazer coisas que estão longe de serem consideradas bondosas.
Ana é como eu e você. Comum.
“O Livro dos Anseios” é uma obra que fala sobre as mulheres silenciadas da nossa história e uma personagem que empresta sua própria voz a elas. E mesmo que o livro não foque na história de Jesus, é uma leitura que fará o leitor se sentir impelido a descobrir mais sobre o homem que deu a vida por nós.