Uma deliciosa fantasia política, regada de intrigas dentro de um reinado opressor, personagens cativantes e outros detestáveis e uma trama simples, mas construída com um primor sensacional, que a faz ser original ao apresentar uma sociedade em que certas pessoas nascem com uma mutação em seus DNA’s, revelando poderes extraordinários.

“O mundo nunca será justo, mas você pode ser parte da justiça existente no mundo.”
Nome: O Ladrão de Memórias
Autor: Guilherme Araújo
Páginas: 358
Editora: PenDragon
Sinopse: Ian nunca tinha ficado tão feliz em toda a sua vida. Havia acabado de receber um bilhete da menina que gostava e ela queria encontrá-lo e lhe dar um beijo. Era bom demais para ser verdade, e essa frase nunca se encaixou tão bem em algo, afinal o encontro era uma farsa e no instante em que o garoto descobre a verdade, alguma coisa muda dentro de si e ele desmaia, ficando em coma durante cinco anos. E esse foi o tempo suficiente para o lugar em que ele vive mudar completamente, é assim que um reinado opressor surge e o rapaz acorda em meio a um governo regado de miséria, injustiças e maldades. Poderá ele mudar alguma coisa?
“O Ladrão de Memórias” é aquele tipo de livro que consegue instigar e causar tensão ao leitor, isso se deve ao fato de que o autor, Guilherme Araújo, conduz muito bem uma trama repleta de ação, momentos regados de tensão e situações inacreditáveis que pegam o leitor desprevenido. Aqui, tudo acontece e praticamente ninguém está isento.
Apesar de deter uma trama simples que evoca uma vingança do protagonista e uma rebelião frente ao governo opressor que permeia a obra, existe muita originalidade em toda a trama. A começar pela questão dos DNA’s que detêm particularidades que faz com que os personagens sejam diferentes e poderosos.
Confesso que adorei cada personagem que tem seu “poder” exposto, incluindo a surpresinha no final que me deixou ansiosa para um próximo volume.
“Nem sempre o que parece ser sensato a fazer condiz com aquilo que o nosso coração grita para que façamos. O amor raramente anda junto com a sensatez.”
Além disso, esse um livro que fala bastante sobre família, arrependimento, poder e porque não egoísmo? Um trunfo da narrativa é toda a construção dos personagens feito pelo autor. E apesar de ficar nítido que temos os “vilões” na trama não é possível dizer que temos um herói, mas sim anti-heróis, porque aqui ninguém é cem por cento bom, mas é possível ser noventa e nove por cento mau.
Trama de Vingança
E é exatamente a crueldade exacerbada de alguns personagens que faz com que a trama gire em torno da vingança almejada pelo protagonista de “O Ladrão de Memórias”.
Ian passou cinco anos em coma e quando acordou percebeu que tudo havia sido tirado de si. Não apenas a sua adolescência, como também parte de sua família e o lugar em que um dia viveu e cresceu. É fácil entender a dor do rapaz e sua vontade de vingança, assim como é fácil se conectar com ele e odiar as pessoas que fizeram tanto mal a todos.
“É isso que o medo faz com a gente, ele bloqueia as sensações. É uma maneira egoísta de querer que apenas ele seja sentido.”
E apesar de ser uma motivação um tanto quanto simples para reger uma narrativa, vale ressaltar que toda a construção da trama é muito bem articulada pelo autor, que faz a vingança não ser algo tão simples quanto parece, mas sim uma motivação que terá suas consequências regendo os maiores conflitos que podem ser perpetuados em próximos volumes.
Afinal, um rei não vai deixar que alguém se vingue dele tão facilmente assim. E ele tem poderosas e dolorosas cartas na manga.
Um reinado opressor
Porque o rei é um dos personagens mais detestáveis de toda a narrativa mesmo aparecendo tão pouco. O responsável por realizar um golpe de estado e fazer com que a democracia seja substituída pela monarquia.
Em “O Ladrão de Memórias” temos o típico exemplo de um personagem egoísta o suficiente para pensar apenas em si mesmo, sem se importar com as necessidades da população a sua volta ou mesmo de sua própria família, almejando apenas o enorme poder que sua posição oferece. Um personagem detestável que merece sua sentença.
“Quando algo dói muito em você, até o que antes costumava lhe acalmar acaba se tornando a pior das torturas.”
O governo opressor relatado na trama é muito bem desenvolvido e construído pelo autor, que mostra de forma crua como uma sociedade regada de autoritarismo é terrivelmente desigual, injusta e melancólica. Aqui, a violência reina e os castigos físicos também.
Uma coisa interessante a ser destacado, é o fato de que apesar de ter um reinado, a história em si passa uma sensação atual, visto que em vários momentos temos vislumbres de celulares e até da princesa usando calça jeans, algo que mostra que aquela sociedade apesar de evoluída tecnologicamente nada evoluiu mentalmente.
Uma percepção que me faz refletir, será que estamos tão bem evoluídos assim?
Uma Guerra Silenciosa
E como todo governo opressor, aqui temos a rebelião, os rebeldes, aqueles que querem e que podem mudar tudo e o destino de todos a sua volta. Em “O Ladrão de Memórias”, essa rebelião se chama “Rosa de Sangue” e seus integrantes estão dispostos a qualquer coisa para fazer a mudança acontecer.
E tudo, é claro, começa com uma espécie de guerra silenciosa que invade os confins do castelo. Afinal, estamos falando de um governo que só é bom para aqueles que lhes convém. Sendo assim, existe uma facilidade em encontrar traidores da coroa.
“Todos nós somos o espinho que nasce da rosa, somos a rosa e somos o sangue. Nós somos a revolução!”
Entretanto, uma coisa que deve ser mencionada e que eu achei bastante peculiar na narrativa, é o fato de que o “Rosa de Sangue” está muito longe de ser um grupo bonzinho e que tenta fazer as coisas com a justiça sem derramar sangue. Muito pelo contrário, os rebeldes da trama são violentos e fazem de tudo para poder libertar o povo das injustiças de um reinado tenebroso.
E acredito que todo esse realismo provocado pela violência apresentada na narrativa faça total sentido. Afinal, em que tipo de guerra não temos mortos?
As famílias
E uma das coisas mais explícitas em toda a trama são as relações familiares que compõem o enredo de “O Ladrão de Memórias”.
Aqui, temos dois tipos de famílias sendo expostas a todo o momento. As famílias boas, que são amorosas e compreensivas e que fazem de tudo para salvar aqueles que amam, bem como, para que os filhos estejam bem e a salvo. Isso é bem explícito com os vários momentos de Ian com sua família e dos flashbacks que James tem ao longo da narrativa. Pontos cruéis por serem tristes, mas que evidenciam o amor familiar.
“Você não é capaz de compreender até onde pode ir uma mãe para proteger o seu filho.”
Porém, o segundo tipo de família apresentada é a tóxica, aquela que apenas pensa em si mesmo e deseja que os filhos sejam um reflexo do que os próprios pais são. O rei e a rainha são os dois maiores exemplos de família tóxica que permeia a trama, afinal ambos não pensam nos desejos da filha Louise, mas sim no que eles acham melhor para ela e para o próprio reino que criaram.
Ou seja, os verdadeiros vilões da trama.
Os vilões
Porque o que esse livro tem de boa construção de personagens, ele tem de bom desenvolvimento dos vilões que são insuportáveis e detestáveis. Stavon e Katrina, os reis de Diamantos são os antagonistas mais horrendos que já tive a oportunidade de conhecer. E além de serem cruéis ao extremo, levam o troféu de péssimos pais.
Em “O Ladrão de Memórias” o casal não poupa o leitor de cenas memoráveis de situações torpes de torturas físicas e psicológicas, bem como de diálogos perturbadores que só servem para menosprezar sua filha, Louise, e fazer a menina se submeter as suas vontades perturbadoras.
“Lamento lhe revelar isso, mas os monstros nunca estiveram em seu quarto, estavam e ainda estão lá fora, costumamos chamá-los de humanos.”
E aqui, os verdadeiros monstros são os pais da moça; o rei e a rainha. Pessoas que possuem uma construção primorosa no quesito maldade, afinal é impossível terminar a leitura do livro gostando de qualquer um dos dois. Odiá-los é fácil demais e por esse motivo, a motivação de vingança de Ian se torna a nossa própria vontade de querer que a continuação chegue logo apenas para podermos ler a queda iminente dos personagens mais detestáveis da obra.
Uma aguardada continuação
E eu não vejo a hora de poder ler uma continuação dessa história. A narrativa me conquistou em tudo; seja na construção de mundo, que embora não seja o foco da trama, ainda é muito bem desenvolvida pelo autor; seja pelo desenvolvimento de toda a trama política que rege a narrativa, porque esse sim, é o grande foco de toda a história.
Ademais, senti que ficaram bastante pontas soltas na trama, assim como fiquei com aquela curiosidade de saber o destino de alguns personagens e as escolhas que eles poderão fazer e o que acontecerá quando elas forem reveladas, mostrando toda a resolução ou falta de resolução dos problemas enfrentados por eles.
“O amor é esse tempo entre a chegada e a partida, entre a partida e o possível retorno e, fatalmente, entre a partida e a eternidade; mas ao mesmo tempo em que faz doer, ele cura.”
“O Ladrão de Memórias” é aquele típico primeiro volume de apresentação que entrega um enredo poderoso, repleto de personagens instigantes e detestáveis. Uma ótima fantasia nacional que detêm uma narrativa perfeita para o leitor apaixonado por uma fantasia política.