Dolorosamente lindo. Uma história que machuca e corrói, mas que ao mesmo tempo tem o poder de mostrar que o ser humano detêm escolhas e que cabe a ele próprio escolher fechar os olhos ante ao sofrimento alheio, ou estender a mão e fazer o possível para acolher aqueles que não tinham para onde ir, principalmente em um período de guerra.
Nome: Heróis Involuntários
Autor: Camila Pelegrini
Páginas: 160
Editora: Delirium
Sinopse: Madison é uma jovem enfermeira de guerra que luta todos os dias para salvar a vida dos soldados feridos que chegam em suas mãos. Entretanto, sua vida muda completamente no dia em que ela encontra um gatinho ferido após um bombardeio. Sem uma das patas e com queimaduras graves por todo o corpo, a moça decide cuidar do animal e lhe dar uma esperança de vida. Mas, é essa atitude que muda sua vida para sempre, afinal ela não consegue mais fechar os olhos ante a aflição dos animais que também sofrem com a guerra e não possuem nenhuma chance de defesa. É assim que Madison decide dedicar seus dias e tardes a cuidar dos homens feridos em guerra e suas noites dos animais que tanto precisam de ajuda.
“Heróis Involuntários” é aquele tipo de livro que machuca e que corrói, mas que ao mesmo tempo expõe ao leitor, um lampejo de esperança de que existe bondade no ser humano. Uma história que choca devido aos detalhes cruéis e que mostra um lado da guerra que por muito ficou esquecido; o dos animais.
Porque se nós, seres humanos, já ficamos assustados e amedrontados mediante a guerras e bombardeios, como ficam os animais? Criaturas que não possuem nenhuma chance de defesa, que temem pela própria vida por não conseguirem se proteger de ataques inesperados. Os animais também sofreram na guerra, tanto quanto os humanos.
“Porque eu não podia expulsar o mal do mundo. Mas podia evitar que ele fizesse morada em mim.”
Afinal, ordens de sacrifício foram expelidas, assim como o abandono se tornou crescente. Os animais não apenas sofreram, mas também entenderam que foram abandonados a própria sorte por aqueles em quem confiaram, por aqueles por quem denotaram suas vidas. Os animais também tem sentimentos.
Como nós
Sim, os animais são como nós. Eles entendem, sentem dor, sentem tristeza e acima de tudo sentem medo.
O que a autora, Camila Pelegrini, faz em “Heróis Involuntários” é mostrar o quanto os animais ficam vulneráveis em situações de guerra e o quanto eles precisam de nós, seres humanos, porque querendo ou não, gatos e cachorros são dependentes de nós.
“Não é possível salvar todos. Você pode tentar cuidar do máximo de criaturas que suas mãos alcançarem. Apenas não se esqueça de cuidar de você também.”
É triste, ler como os animais que tanto confiaram em seus companheiros humanos, foram massacrados, abandonados e utilizados como arma em guerras. É doloroso ler como cavalos eram abandonados para morrer quando chegavam a exaustão e não serviam mais ao propósito humano. É mais triste ainda, ler como as pessoas não tinha nenhum receio em deixá-los para morrer em bombardeios.
É doloroso e revoltante.
A culpa
Esse é um dos pontos que mais gostei da narrativa de Pelegrini, o fato de como a autora criou uma personagem que não detêm magoas daqueles que a machucaram e a julgaram. Madison, a protagonista, entende que a guerra não apenas muda as pessoas, como também as eleva a seus limites.
“Odiei-me mais do que odiava a própria guerra por me importar com um ser tão insignificante quanto um gato.”
Em “Heróis Involuntários”, o medo da guerra é crescente e real, tanto que ninguém pensa no próximo, todos pensam em si mesmos. Fato é, que os limites de todos estão ultrapassados. Perdas familiares, medo de que a guerra não acabe, e esperanças destroçadas porque o ser humano resolveu matar outros seres humanos.
Todos possuem um limite e Pelegrini explora muito bem esses limites, seja abordando o cansaço físico e mental da protagonista, ou mesmo inserindo diálogos que mostram que as pessoas não entendiam o porque das atitudes da personagem, a criticavam, mas não faziam nada para tentar mudar e ajudar.
Egoísmo?
Outro ponto discutido pela autora em “Heróis Involuntários” e que cabe uma série de discussões pertinentes, são os pensamentos da protagonista, carregados de questionamentos acerca do egoísmo humano.
Madison tem aquele receio de ser egoísta com seu país, afinal ela está dedicando seu tempo para cuidar de animais, estaria então ela, deixando de se importar com os inúmeros soldados que perdem suas vidas nos campos de batalha? A resposta é não.
“Não importava o que pensassem a meu respeito. Não importava o quanto me achassem mesquinha por me importar com animais. Era o meu tempo que estava sendo dedicado, não o de ninguém. Era eu quem passava os dias curando homens e as noites tratando de um gato. Não me valia do descanso de ninguém, mas tão somente do meu.”
A enfermeira se desdobra para fazer ambas as coisas, salvar vidas humanas e vidas animais e é isso que faz dela uma heroína, ela não escolhe salvar apenas vidas humanas ou apenas vidas animais, mas sim os dois, mesmo que tenha de se sacrificar para isso. Madison é uma heroína, lutou e batalhou por seus ideais, mesmo que todos a julgassem por isso.
Por fim, é essa dualidade da protagonista que mais cativa o leitor e faz com que ele se conecte com ela e sinta suas dores e seus medos. A personagem não quer ser egoísta, ela quer dar o melhor de si e consegue.
O final…
E é assim, conhecendo e se conectando com as atitudes e escolhas de Madison que o final é assombroso, doloroso e mostra o quanto a humanidade ainda tem de caminhar para ser melhor.
O final da enfermeira heroína não é triste, afinal é ela quem nos conta sua história em uma espécie de entrevista, mas também não é feliz. Pois, como bem sabemos, cada ação tem sua reação e cada escolha tem suas consequências, boas ou ruins.
Por fim, Madison dá uma grande lição ao leitor; a de que só se arrependia de uma única coisa em toda a sua vida: A de não ter salvo mais vidas.
“Ninguém estava a salvo em uma guerra. Nenhum dos homens que eu atendia durante o dia; nenhum dos animais que eu curava durante a noite. Tampouco eu.”
Sem dúvida, ela é uma das personagens mais incrivelmente forte que eu tive o prazer e a honra de conhecer, seu amor pela vida é incondicional, sua vontade de ajudar e salvar vidas também. Madison é aquele tipo de protagonista que inspira o melhor em nós mesmos, afinal ela era uma mulher sozinha em plena guerra e fez tantas coisas boas.
Uma grande guerreira.
“Heróis Involuntários” é um livro doloroso e lindo. Aquele tipo de história que ao mesmo tempo que emociona, também corrói. Uma obra que traz inúmeras reflexões, apresentando uma parte chocante do quanto a guerra foi cruel. Além disso, o livro detêm uma personagem incrível por sua força e amor a vida, uma mulher que mostra ao leitor que ainda é possível ter fé na humanidade.