Uma trama distópica com ares realistas que faz desse um livro que choca e ao mesmo tempo causa inúmeras reflexões ao leitor. Uma obra que evidencia um futuro que infelizmente pode ocorrer um dia. Uma história, que apesar de fictícia, detêm um pé na realidade.

“Caos. Caos desorganizado, uma mistura de indefinição, ansiedade e incertezas.”
Nome: Matando Formigas
Autor: Felipe Salomão
Páginas: 91
Editora: Publicação Independente
Sinopse: Na “Terra das Palmeiras” tudo é caos. Os crimes são absolutos e a população anseia por mudanças. Eis então, que o Presidente é eleito. Aquele que propõe a mudança e que através de seu discurso traz para a população um lampejo de esperança. Mas e se o presidente for o próprio caos?
E o que ocorre com a população quando as mudanças perpetuadas por ele envolvem a súbita matança da sociedade, a imposição da censura e de uma ditadura em que ele é o SER SUPREMO. “Terra das Palmeira” pode ser salva?
“Matando Formigas” é aquele tipo de livro que por mais que o leitor encare como apenas uma simples distopia, causa desconforto e reflexões por ser uma obra que aborda com crueza um futuro que infelizmente pode acontecer. Afinal, se pararmos para pensar, temos vivido tempos difíceis e sombrios que muito se assemelham a uma distopia.
“E se eu disser que existem dois loucos dentro de você, o bem e o mau, e que aquele que você alimentar é o que irá sobreviver.”
Um governo ditatorial que preza por salvar apenas aqueles que julgam merecedores de salvação. Mas quem realmente é merecedor? A morte ronda a população da Terra das Palmeiras. As pessoas vivem com a censura que os obriga a delatarem seus vizinhos que transgridem as regras do lugar. E quanto aos sem teto? Há esses nem existem mais, foram mandados para “um lugar melhor”.
É uma distopia que assusta, mas que faz o leitor refletir sobre inúmeras coisas que podem não ser culpa apenas do governo, mas também de uma sociedade conivente com as atrocidades cometidas por seus governantes. Afinal, muitos não ligam para o que ocorre e se fecham em sua bolha particular, ignorando todos os abusos que acontecem.
Embora fictício, esse é um livro real.
Distopia Nacional
Eu gosto de distopias e de todas as discussões e reflexões que elas proporcionam ao leitor. Gosto ainda mais quando são nacionais e refletem a nossa própria sociedade. São obras que discutem de forma reflexiva os aspectos sociais e políticos de um local. Narrativas que se perpetuam por poderem se tornar reais em um futuro não muito distante.
“Sociedade, sua louca, não existe santo dentro ou fora das prisões, não existem santo, sendo mocinho ou bandido, não existe santo, sendo político ou cidadão.”
Ler distopias nacionais é um deleite para nós, leitores. Afinal, conseguimos pegar referências que remetem a nosso país ou mesmo às situações que presenciamos por nossas terras. Além disso, é notável a influência que os desdobramentos políticos que perpetuam no Brasil causam nas distopias criadas por nossos autores.
Em “Matando Formigas” essa influência é notável. Seja pelo nome da cidade fictícia criada por Salomão “Terra das Palmeiras” que lembra nosso país do Pau-Brasil, ou mesmo ao determinar um Presidente sem nome, mas que possuí pensamentos cruéis e genocidas como um certo presidente que conhecemos muito bem.
Censura, Ditadura
Genocídio da população “indigna”, censura, ditadura.
“Matando Formigas” infelizmente é um retrato do que pode vir a ocorrer com nosso país se as coisas continuarem no rumo que estão. É triste, mas a história criada pelo autor não é mera ficção, mas sim o desabafo de tantas pessoas que temem cada dia mais pelo pior que pode vir a ocorrer.
“Censura era crime, mas é fácil censurar sem mostrar a verdadeira censura por trás dela.”
A censura que perdura na “Terra das Palmeiras” é daquelas que mata, que faz o vizinho denunciar o outro, que faz os cidadãos comuns se tornarem responsáveis pela morte de seus semelhantes. A censura apresentada pelo autor é daquelas que machuca e que leva a sociedade a expor seu pior lado.
A ditadura não fica atrás. É proibido dormir na rua. É proibido ajudar sem tetos. É proibido fazer manifestações. É proibido música. É proibido tudo. É quase proibido viver. Tudo é proibido e as falas do Presidente dizem ser tudo por um bem maior, mas será mesmo? Ao meu olhar, ele apenas queria ser o rei de uma nação e impor aos seus súditos aquilo que achava o correto.
E ele consegue apenas usando as palavras.
Presidente e o Poder do Discurso
Em uma sociedade em que tudo parece estar ruim, uma palavra pode mudar tudo e pode fazer a esperança nascer no coração daqueles que a perderam a fé. É assim, que em “Matando Formigas” o Presidente consegue o apoio do povo para pode exercer a sua loucura, matando inocentes. Tudo é orquestrado apenas com suas palavras veladas de preconceito e ódio.
“O governo estava contra o povo, a polícia estava contra o povo, o povo estava contra o povo. Mas era tentar fazer algo ou morrer. A questão era que, mesmo tentando fazer algo, você poderia acabar morrendo.”
Porque sim, um bom discurso consegue fazer uma lavagem cerebral em uma população inteira. Não precisamos ir muito longe para ter certeza disso, basta se lembrar do que o discurso de Hitler fez toda uma nação praticar. A fala é o bem mais poderoso do ser humano e se usada da forma errada, pode provocar um genocídio sem igual.
Um presidente detêm o poder da fala. Ele é aquele que se comunica diretamente com o povo, que ordena, que pode trazer esperança ou destruição. Em uma nação a mercê da violência e de tantas coisas ruins, não é preciso muito para que qualquer lunático ganhe um posto alto. Afinal, sua fala é poderosa e os mais fracos mentalmente facilmente caem em uma ladainha distorcida.
Crítica Social e Política
E é assim que Felipe Salomão brinda o leitor com críticas absurdamente poderosas.
“Matando Formigas” é muito mais que uma distopia. É uma obra que detêm criticas pertinentes acerca do governo e da sociedade. Afinal, não se pode culpar o governo de tudo quando é a própria população quem escolhe seus governantes, não é mesmo?
“Não queremos ver a pobreza quando estamos prestes a fazer uma ótima refeição.”
O que o autor apresenta nas páginas de sua obra são diversos momentos em que confronta o próprio pensamento do leitor, o fazendo ficar a mercê de concepções detestáveis porque certamente um dia algum discernimento aterrador passou por sua cabeça. O autor não apenas expõe essa fragilidade da mente humana, como também a cutuca como se fosse uma ferida aberta.
Porque temos de concordar que o ser humano não é benevolente. Não existe alguém benevolente. O ser humano é passível de erros e os pensamentos esdrúxulos fazem parte desses erros. Porque sim, todos erramos, todos pecamos e todos em algum momento da vida fomos maus o suficiente para pensar apenas em nós mesmo.
Um Livro Reflexivo
Sendo assim, “Matando Formigas” consegue em menos de 100 páginas fazer o leitor refletir sobre seus pensamentos e atitudes, pensar se o que fazia por caridade era realmente caridade ou apenas peso na consciência. Ponderar se ele enxerga as dificuldades do mundo ou apenas fecha os olhos para ela.
“Infelizmente vivemos de maneira hipócrita durante a vida toda. Não vemos nossos atos falhos como falhas, não vemos nossos erros como erros, apenas achamos que errados estão os outros.”
É triste perceber que muitas pessoas apenas seguem aquilo que chamamos de “Hype” quando um assunto é levantado, quando uma questão é ponderada. As pessoas enxergam aquilo que querem, e se limitam a enxergar problemas recorrentes apenas quando estes estão em evidência, seja na mídia ou na boca da população.
Afinal, não estamos passando por aquela situação. Ficamos chocados e horrorizados, mas logo o assunto caí em esquecimento. É assim, que com o passar dos dias, a humanidade se torna cada vez mais hipócrita.
“Matando Formigas” é uma distopia nacional que mostra com crueza e momentos de reflexões como a voz de uma pessoa consegue fazer uma lavagem cerebral em uma sociedade sem esperança. O poder do discurso está presente em toda a narrativa, assim como a censura e o genocídio. Um livro que fala sobre a pequenez do ser humano, afinal se não somos formigas em um universo, o que realmente somos?
Um comentário em “Matando Formigas – Felipe Salomão”