Essa resenha contêm Spoilers! Continue por sua conta e risco!
Chato, didático e prolixo demais. Porém, um thriller que além de ser diferente, consegue surpreender o leitor que ousar chegar em suas páginas finais, brindando-o com um plot absurdamente imprevisível que faz qualquer um ficar estarrecido.

“Eu era uma ferida só, uma gangrena, cheia de sangue e de pus.”
Nome: O Voo das Cegonhas
Autor: Jean-Christophe Grangé
Páginas: 380
Editora: Record (Selo Coleção Negra)
Sinopse: Quando Louis Antioche é convocado para ir a casa de um milionário chamado Max Bohm, mal sabia ele que entraria em um grande esquema de tráfico de diamantes. Eis então que Bohm morre de um iminente ataque cardíaco em seu ninho de cegonhas e o rapaz se vê confrontado por um policial que acha que a morte do milionário pode estar ligada a algo maior. É assim, que Louis resolve seguir a trilha das cegonhas, caminhando por um campo minado que o leva a descobertas terríveis de coisas assombrosas que acontecem em vários pontos do mundo.
“O Vôo das Cegonhas” é aquele tipo de livro que começa chato, parado e detêm uma narrativa prolixa e didática demais. Entretanto, mesmo com esses defeitos, a trama se desenrola aos poucos lançando o leitor de um lado a outro, até que todas as repostas são dadas em um turbilhão de diálogos e o plot se mostra absurdamente imprevisível e bizarro.
“Eu não sabia que o mundo é quase sempre mais evidente do que pensamos, e que suas verdades, mesmo sendo banais, nem por isso são menos transparentes e vivas.”
Narrado em primeira pessoa pelo protagonista da trama, Louis Antioche, o personagem detalha a nós, leitores, tudo o que vê e ouve, o que faz com que esse seja um livro parado e lento. Toda essa lentidão da narrativa se deve ao fato do autor ser prolixo ao descrever tudo que o personagem faz e vê e também didático o suficiente para ensinar tudo sobre ornitologia (estudo de cegonhas) e medicina. Pontos, que tornam a história arrastada, mas nem por isso, ruim.
Fato é, que essa forma de narrar do autor é mais para encobrir as pistas, fazendo com que o leitor se torne tão cansado quanto o personagem e acabe deixando passar detalhes fundamentais da trama, pontos que podem levar ao grande plot da obra. Imprevisível e Surpreendente.
Sem assassinato
“O Vôo das Cegonhas” se destaca no gênero do Thriller por ser um livro totalmente diferente do que a maioria dos livros do gênero propõe.
Aqui, não temos um assassinato ou um Serial Killer logo de início, mas sim uma morte comum por causas naturais de um grande filantropo e estudioso de cegonhas. Fato é, que a morte desse homem e sua fascinação pelos pássaros esconde grandes e tenebrosos segredos.
“Mais um cadáver. Mais um enigma. E a certeza de que a rota das cegonhas era uma viagem de ida para o inferno.”
É assim, devido a inúmeras provas de que algo está errado que Louis Antioche resolve seguir as pistas das cegonhas e descobre que não apenas um tráfico de diamantes está em voga, mas também um tenebroso esquema de tráfico de órgãos.
A trama se desenrola aos poucos através dessa premissa, fazendo com que o leitor descubra tudo junto com o personagem que sabe tanto quanto nós. Através de uma narrativa apresentada por meio da sua visão temos acesso a tudo que Louis sabe e a aos seus esquemas mentais, bem como, das inúmeras viagens que o personagem faz ao redor do mundo.
Viagem pelo Mundo
“O Vôo das cegonhas” pode ser encarrado como uma espécie de Road-Trip, afinal Louis faz uma trilha em pontos específicos do mundo, percorrendo os locais por onde as cegonhas voam durante sua migração.
“Jipes atravessavam a poeira, homens de verde desciam, usando máscaras contra gases. Alguns fuzis cuspiam o veneno esbranquiçado, outros estavam carregados de balas de borracha, outros ainda atiravam de verdade – balas de verdade em crianças de verdade.”
O interessante desse tipo de narrativa é perceber como o autor descreve tanto a população local de cada lugar, como suas características geográficas e econômicas que culminam não apenas no desenvolvimento da narrativa, como também no desenvolvimento pessoal do protagonista. Afinal, Louis conhece pessoas que lhe dão informações pertinentes acerca de sua busca pelas cegonhas, ao mesmo tempo que começa a assumir uma postura mais centrada e defensiva.
Quando personagem se encontra em territórios hostis ou mesmo cercado pela poluição vigente, vemos sua forma de agir mediante a cada provação que encontra. É interessante, afinal isso torna a narrativa mais consistente e torna o personagem mais humano e vulnerável diante dos olhos do leitor. Uma sacada muito boa.
Pobreza, preconceito e superstições locais
Sendo assim, é possível perceber como o autor carrega sua trama de pobreza e de preconceito (não do autor, mas sim mediante a sociedade de cada local que o personagem visita).
Ou seja, em “O Vôo das Cegonhas”, conhecemos o preconceito que cercava a população cigana ou mesmo os pigmeus, povos tidos como selvagens que eram reduzidos a quase nada. Ainda nessa discussão, temos a comparação da pobreza iminente que atingia as regiões mais pobres da África e da Índia.
“Mas a morte do filho nada tem haver com teus pássaros. É um crime racista, que pertence a um outro mundo. O mundo do ódio aos ciganos.”
Tanto o preconceito, quanto a pobreza, caminham de mãos dadas na narrativa, afinal é através da ilustre superstição de todos os povos que as diversas crueldades que ocorrem dentro da trama podem ser perpetuadas. É assim, por meio da fé cega em deuses que castigam ou mesmo na fúria da natureza que o tráfico de órgãos ocorre de forma livre dentro da trama e das regiões orquestradas.
A pobreza também é uma grande aliada para que o tráfico de órgãos ocorra, afinal tudo acontece apenas com populações carentes e principalmente órfãos, crianças que não possuem ninguém que possam sentir sua falta.
É triste, mas se pararmos para pensar, pode não ser uma irrealidade.
Cegonhas, título, diamantes
E claro, que você deve estar se perguntando o que as cegonhas têm a ver com tudo isso.
Basicamente, caro leitor, são as cegonhas as detentoras de um grande esquema maléfico. Em “O Vôo das Cegonhas”, acompanhamos como Louis descobre que as aves são usadas para o tráfico de diamantes de um país para outro. Ou seja, da África para a Europa. Esse esquema, é meramente uma forma de custear todas atrocidades que ocorrem no tráfico de órgãos.
“Eu podia rememorar meu passado até a idade de seis anos. Antes disso, era o vazio, a ausência, a morte. Minhas mãos foram queimadas. Minha alma também. E minha carne e meu espírito cicatrizaram da mesma maneira – sustentando sua cura sobre o esquecimento.”
Ou seja, é muito mais uma questão de usar uma coisa para tapar a outra. Ambos os esquemas existem e são orquestrados de forma que o primeiro e mais evidente possa ficar por cima do segundo que é mais tenebroso e envolve questões maiores.
Sendo assim, acompanhamos Louis descobrir todas as pistas ao longo da narrativa. Uma espécie de vai e vem que consegue tapear o leitor e o fazer ficar perdido em meio a tantas informações que são reveladas ao longo da trama. Fato é, que os diálogos aqui são preciosos, afinal é através de entrevistas com várias pessoas que Antioche caminha lentamente para descobrir todo o esquema maléfico em que se meteu.
Trama sem furos, final e plot
E sim, toda a forma narrativa com que o autor conduz a obra, faz desse um livro sem qualquer furo.
Em “O Vôo das Cegonhas”, tudo é devidamente explicado no seu devido tempo, sendo assim, todas as peças se encaixam até o final da narrativa, corroborando para que o final seja explosivo e o plot de explodir cabeças.
“Era lógico, perfeito, irreversível, que meu destino se encerrasse em Calcutá. Só o inferno abjeto da cidade indiana poderia oferecer um contexto sombrio o bastante para acolher as últimas violências da minha aventura.”
Porque sim, eu gostei do final e de como tudo se resolve (ou não), achei as explicações do autor válidas, interessantes e reais. E quanto ao plot, além de surpreendente, consegue fazer com que a história seja muito mais profunda do que já é, afinal mostra de uma forma bem empírica e psicológica a construção de um psicopata, assim como a sua forma demoníaca de querer dissipar a dor da perda.
“O Vôo das Cegonhas” é um Thriller diferente de qualquer outro Thriller. Aqui a história não tem um assassinato ou um Serial Killer exposto desde o início, mas sim uma trama que se desenvolve aos poucos, apresentando através de uma Road-Trip que os menores problemas podem ser maiores do que parecem.