Um romance bastante peculiar. Uma história que apesar de apresentar um enredo que flerta com a ficção científica, deixa o gênero do Sci-Fi de lado e foca única e exclusivamente no romance, cumprindo exatamente aquilo que se propõe desde as primeiras páginas; aquecer ao coração de um leitor apaixonado.

“Como aquela garota poderia ter vindo do passado? Como aquela garota poderia ter dado um salto no tempo de 218 anos?”
Nome: Pura Sorte
Autor: Flávia Kalpurnia
Páginas: 324
Editora: Serpentine
Sinopse: Quando Anne encontra uma jovem perdida com roupas estranhas e bufantes, só consegue pensar em duas coisas: A garota está indo até uma festa a fantasia ou ela não bate bem da cabeça. Entretanto, as coisas começam a ficar estranhas quando a moça revela ter o mesmo sobrenome que o seu e demonstra ter vindo do ano de 1800. Preocupada com a garota, Anne a leva para sua casa, e é lá que Juliet e o libertino Ethan se encontram pela primeira vez, talvez ficar longe de seu tempo não seja tão ruim.
“Pura Sorte” é aquele tipo de livro que consegue encantar o leitor com a premissa e deslumbrá-lo ao longo da leitura. Ambientado no século XXI, a trama apresenta uma moça do século XIX, que de forma misteriosa veio parar em nossa sociedade atual. Repleto de situações cômicas, que envolvem uma mocinha totalmente desacostumada com um mundo “promiscuo”, a história consegue arrancar boas risadas.
Com uma narrativa fluída, o enredo consegue entreter o leitor por cumprir o que promete, entregando uma história regada de romance, cenas quentes, casais apaixonados e porque não, um pouco de humor. Aqui, acompanhamos uma trama leve que diverte e em momentos específicos apresenta um pouco de drama.
“Notou que naquela época as pessoas desistiam uma das outras facilmente, não havia busca pelo amor, apenas a busca pelo prazer.”
Os personagens são sem sombra de dúvida o grande trunfo da obra. Tanto o casal protagonista, quanto o secundário apresentam uma química deliciosa de ler, o que torna a história prazerosa e porque não dizer, quente em várias situações. São personagens bem construídos, repleto de dores, medos, anseios e que possuem um passado não muito agradável.
Personagens
Falando da cereja do livro. Kalpurnia não nos poupa de personagens apaixonantes. Seja pela inocente e cômica Juliet, que consegue fazer o leitor rir com as inúmeras confusões que tomam sua mente, devido a diferença de épocas. Ou até mesmo pelo “libertino” Ethan, que se descontrói ao longo da narrativa por ter encontrado a mulher perfeita para si.
Juliet, é aquele tipo de mocinha que vamos adorar. Engraçada, curiosa e apaixonada. Ela nos cativa desde o início, por ficar imensamente confusa com o mundo que descobre, por sentir falta de seus parentes, por ter que aprender novos costumes e se desligar de sua vida antiga ou mesmo por se mostrar adepta a mudanças e se revelar uma mulher forte e independente.
“Sabia que tudo que havia aprendido sobre recato, pudor, liberdade, deveres, eram diferentes naquela época.”
Já Ethan, é aquele típico homem que apenas quer diversão. De início, Juliet é apenas mais uma de suas conquistas. No entanto, é a inocência e o jeitinho peculiar da mocinha que o faz se apaixonar aos poucos por ela. Ethan não tem uma mudança brusca, mas gradual, se tornando um rapaz bem diferente do que era antes de conhecer a viajante do tempo.
E se falamos de personagens, temos que citar a irmã do protagonista, Anne. Uma mulher incrível e extremamente empática, que ao perceber o sofrimento e confusão de Juliet, não mede esforços para ajudar a moça, pedindo o apoio de seu marido, que apesar de achar a situação irreal de início, com o tempo, deixa o ceticismo de lado.
Viagem no tempo
E falando de ceticismo. Uma das coisas que acho pertinente mencionar na resenha é o fato de que a autora, apesar de propor, mencionar e dar uma breve e verossímil explicação para a questão da viagem temporal, ela não se apega à ficção científica e foca exclusivamente no romance.
Veja bem, a viagem no tempo está lá. Presente em toda a trama, mas não é o foco da narrativa e isso é evidente desde o início.
“Agora estava presa em 2018, agora estava ali para sempre. Teria que se acostumar, aquela era sua realidade, aquela era sua vida.”
Embora tenhamos esse flerte com a ficção cientifica, ela não é o foco narrativo e muito menos o fio condutor de toda a história. Porém, vale ressaltar que por mais que esse não seja o enfoque do enredo, Kalpurnia faz questão de dar uma explicação para o fenômeno, elucidação essa, que faz o total sentido dentro da obra.
Realçando menos na questão cientifica, não temos falhas ou quebras no enredo. Pelo contrário, temos momentos que fomentam a viagem no tempo e antecipam o desfecho da história, não a tornando previsível, mas já impondo que um retorno possivelmente não seria possível para a personagem.
Drama na medida certa
Quando temos esse vislumbre de que possivelmente Juliet jamais votaria para a sua família, temos aquela famigerada pitada de drama na história. Um ponto muito bem desenvolvido por sinal. Afinal, a moça jamais tornaria a ver sua família e seria “obrigada” a viver em um mundo que tampouco conhecia. Algo que certamente deixaria qualquer pessoa em prantos.
Em ‘Pura Sorte” o drama é desenvolvido de forma sutil. A história não se torna um dramalhão, mas apresenta em vários pontos uma Juliet melancólica e chorosa, tanto pela falta que sentia de seus parentes, quanto pela infeliz possibilidade de jamais tornar a vê-los.
“Não conseguia nem imaginar a tristeza e solidão que ela poderia estar sentindo naquele momento.”
É mediante a toda incerteza e circunstâncias apresentadas, que a personagem se ergue de sua melancolia e pensa em seu futuro, é assim que ela opta por ser uma Juliet do século XXI e passa a aprender os costumes do nosso tempo e a ver com outros olhos determinadas situações.
E, é com esse cenário que o romance de Juliet e Ethan se desenvolve.
Um romance que transcende o tempo
Kalpurnia acertou em cheio quando criou o romance entre seus personagens. Não é forçado, não é irreal e por sua vez é agradável de ler, fofo de acompanhar.
O amor que surge entre os personagens evoluí da atração e do desejo, algo normal. E aos poucos, aquilo que parecia ser apenas um tesão do momento, evolui de forma gradual para um amor incondicional. Nesse ponto, é interessante perceber a evolução de Ethan, que vai de um rapaz cafajeste e conquistador para um homem romântico que se entrega ao amor verdadeiro.
Mediante a isso, é gracioso acompanhar as nuances da mente de Juliet, que precisa não apenas aprender os costumes atuais, como enxergar o amor incondicional não como um erro cometido em momentos de euforia, mas sim, como a chama máxima que pode acudir em um casal apaixonado.
Ver Juliet lidar com suas próprias questões e os seus conceitos de certo ou errado é interessante, ainda mais julgando que ela veio do século XIX, um período permeado de machismo, que condenava qualquer mulher que pudesse ser vista como promiscua e impura. Ler Juliet passar uma borracha em todos esses conceitos é gratificante.
“Pura Sorte” é uma leitura aconchegante e apaixonante. Repleto de uma química forte que emana do casal protagonista desde as primeiras páginas. Com pitadas de humor e drama na medida certa, é aquele livro perfeito para tirar o leitor da ressaca, divertir durante boas horas e até mesmo esquentar um pouco a imaginação dos mais ávido por tramas picantes.