Alerta de Gatilhos: Homofobia, Violência, Assédio
Esse é um daqueles livros que choca o leitor devido as descrições gráficas de violência explicita ao qual a autora recorre para contar a narrativa. Entretanto, não é apenas de violência que sobrevive a história, mas de debates pertinentes que mostram como é o dia a dia dentro de uma delegacia de homicídios.

“Mortos contam histórias, e as histórias que eles contam aos analistas não são as mesmas que contam aos policiais.”
Nome: O Canto das Sereias
Autor: Val McDermid
Páginas: 500
Editora: Bertrand Brasil
Sinopse: Quando o cadáver mutilado de um policial é encontrado largado perto de um bar voltado para o público LGBT, a polícia decide fazer alguma coisa quanto a onda de assassinatos que vem ocorrendo. Com a ajuda de um psicólogo que monta perfis criminais, a polícia não tem dúvidas de que estão atrás de um Serial Killer de homossexuais. A questão principal é que o policial assassinado não era Homossexual e não dava indícios de ser.
“O canto das sereias” é um daqueles livros que faz necessário o leitor ter estômago forte para conseguir ler as crueldades e torturas descritas ao longo do enredo. Detalhes sórdidos que apresentam não apenas a mente de um criminoso astuto e criativo, como também a crueldade humana em sua essência. Uma narrativa que entrega um antagonista interessante em sua cuidadosa construção.
“Nunca mostre que está magoado, isso só os encoraja. Nunca mostre que eles atingiram o alvo, isso só revela seus pontos fracos. Aprenda a se pertencer ao grupo. Aprenda o vocabulário e a linguagem corporal; adquira o comportamento. Misture tudo juntos e o que você tem? Um homem que não faz a mais remota ideia de quem é. Você tem um ator consumado, um falso ser humano que pode assumir determinada cor como um camaleão.”
Entretanto, os detalhes dos crimes, tornam esse um livro policial com uma narrativa um tanto quanto lenta. Fato, que pode vir a desagradar certos leitores que preferem uma trama permeada de ação e momentos eufóricos. Aqui, o que prevalece, é o desenrolar da investigação e o funcionamento da mente de um criminoso em série.
Esse é então, o ponto alto do livro. A autora, Val McDermid, propõe ao leitor entrar na mente do criminoso, ao intercalar os capítulos de investigação com os narrados em primeira pessoa pelo Serial Killer, que tenta convencer o leitor de sua motivação para os crimes.
Motivo esse, que convence, mas que também enraivece.
Investigação detalhada
Uma opinião pessoal acerca dessa história, é que eu como leitora, amo livros que possuem detalhes na investigação e de como ela se sucede ao longo da narrativa.
E em “O canto das Sereias”, temos isso muito bem trabalho e abordado por Val McDermind, que consegue criar uma divisão de homicídios que investiga de forma lenta, mas coerente, os assassinatos, criando perfis e pontes entre cada um dos crimes.
“Gentileza funciona. Primeiro gerar afinidade, depois perguntar. Engraçado como obter informações dos colegas seguia as mesmas regras do interrogatório de suspeitos.”
Um dos acertos nesse ponto, está no psicólogo Tony Hills, que é contratado pela polícia para poder criar um perfil detalhado do assassino. É através desse personagem, que nós leitores, podemos criar nossas próprias pistas, seguir rastros em casas e nos locais em que os corpos foram descartados. Também temos um vislumbre maior do modus operandi do serial killer e quando achamos que tudo pode ter acabado, percebemos que assim como o Doutor Hills, estamos no caminho quase certo das pistas.
A narrativa calma, corrobora para que o leitor tenha essa sensação de que a investigação está andando de forma coerente, mas um tanto lenta. Particularmente, eu não me incomodei nem um pouco com isso.
Narrativa Lenta e Forte
Afinal, com a narrativa morosa em relação a descoberta de novas pistas e aos acontecimentos que acontece gradativamente na trama, fica fácil perceber que se passa apenas uma semana do início ao final da história. Fato é, que tanta coisa acontece, mas de forma tão bem planejada e executada, que esse tempo dentro da narrativa é plausível e verídico.
Esse trabalho do tempo é crucial para fazer o leitor imergir na trama e entender seus detalhes, se conectar com os personagens e ponderar sobre possíveis culpados. Se não fosse a narrativa lenta, acredito que seria impossível o leitor sentir um certo tipo de agonia em pensar que em breve poderia haver uma próxima vítima. Ou melhor dizendo, toda segunda-feira.
“A lógica chamava que um corpo tão desfigurado devia ser uma ilha num lago sanguinolento, como um cubo de gelo num Bloody Mary.”
Nesse ponto, faço um levantamento em relação a narrativa. Ela é forte. E quando digo forte, quero dizer que ela não é de modo algum para leitores sensíveis a violência.
Esse fato, é comprovado através das descrições detalhadas e pervertidas do Serial Killer que ao montar suas máquinas de torturas, mostra ao leitor que não está ali para brincadeira. Além disso, todo esquema que ele monta para conseguir pegar suas vítimas, demonstra que o assassino é uma pessoa com uma inteligência acima da média, fato que é comprovado aos poucos durante a leitura.
Crimes Criativos e Motivação do Assassino
E vamos falar de crimes pra lá de criativos.
O assassino, é no mínimo uma pessoa dotada de uma cultura extrema e de dotes mecânicos. Como disse no tópico acima, é ele quem monta as estruturas de tortura ao qual submete suas vítimas. Esse ponto, tenho que admitir que achei bastante criativo, já que o próprio assassino além de montar a armadilha, faz questão de comunicar ao leitor como ela funciona.
“Depois da primeira vez, parte de mim esperava que não houvesse a compulsão de repetir o ato. Mas eu sabia que, se tivesse de fazer de novo, da próxima vez seria melhor. Aprendemos com nossos erros as imperfeições de nossas ações. E, felizmente, a prática leva a perfeição.”
Sim, o recurso da quebra de quarta parede é utilizado em “O canto das sereias” através da narrativa do assassino, que parece não apenas se comunicar com o leitor para explicar o funcionamento de suas máquinas mortais, como também para justificar seus atos hediondos, dando uma espécie de justificativa para seus crimes.
Apesar de ter achado a justificativa um tanto banal, compreendo que na mente de determinados assassinos, podem ocorrer os mais diversos tipos de motivações para se cometer um crime. E mesmo que estes aos nossos olhos possam parecer toscos, as vezes no do assassino não.
Personagens interessantes e complexos
E se tem uma coisa que “O canto das sereias” consegue entregar ao leitor, são personagens complexos que conseguem em pouco tempo cativar.
Na realidade, confesso que me deixei conquistar pelo Doutor Tony Hills e também pelo assassino, que de alguma forma conseguiu ganhar minha atenção, não sendo apenas o vilão da história, mas sim, um personagem que conseguiu me convencer da sua maldade.
Tanto Tony, quanto o assassino, possuem aquele “que” de importância que o leitor não consegue ignorar. Enquanto um faz muito bem o papel de mocinho com certos problemas pessoais que podem atrapalhar coisas normais, como um relacionamento. O outro, faz muito bem o papel de vilão rejeitado que decide se vingar daqueles que não conseguem enxergá-lo como ele realmente é.
“Preciso confessar que me surpreendi com o quanto gostei da punição de Paul. Talvez porque ele tenha merecido muita mais que Adam, talvez porque eu tivera expectativas maiores quanto a ele a princípio, ou talvez simplesmente porque eu estava ficando melhor naquilo. Qualquer que fosse a razão, minha segunda incursão no assassinato me fez perceber que, finalmente, eu tinha encontrado minha verdadeira vocação.”
Ambas as construções, são igualmente fascinantes dentro das suas distinções e eu confesso que achei os dois bastante interessantes, mesmo que algumas falhas sejam perceptíveis em seus comportamentos ao longo da narrativa.
Aqui, também temos alguns personagens detestáveis que pode fazer o leitor odiá-lo no momento em que abrir a boca para despejar alguma frase carregada de preconceito, homofobia ou machismo. Porque sim, esses temas estão presentes ao longo de toda a narrativa e incomoda, principalmente quando lemos a forma negligente com que os policiais lidam com os assassinatos no início da obra.
Machismo e Homofobia dentro do seio policial
Esse é o ponto mais nojento de toda a história. Embora os crimes tenham aquele poder de chocar, algumas declarações ditas por determinados personagens conseguem fazer o leitor ficar com mais ódio do que do próprio assassino.
É pertinente mencionar, que esse não é o primeiro livro que mostra como um departamento policial tende a ser machista, preconceituoso e homofóbico, o que me faz pensar na veracidade dessas informações, afinal eu não trabalho dentro da polícia e nunca estive em uma, mas acredito que isso não seja mera coincidência.
O machismo, está presente na forma desrespeitosa e sexual com que alguns policiais de patente mais alta se dirigem a única mulher que existe na divisão. Carol Jordan é uma personagem admirável, embora a autora não tenha dado o foco necessário a ela. Entretanto, é possível para o leitor compreender como a moça lida de forma madura e profissional com o assédio e as piadas ridículas feitas por seus superiores.
Já a homofobia, reside em toda a investigação dos assassinatos, principalmente quando tudo indica que as vítimas eram homossexuais. É cada diálogo nojento que pode fazer o leitor querer fechar o livro. Entretanto, não são todos os personagens assim, o que corrobora para que eu diga que o livro não é “Machista e Homofóbico”, mas sim que faz uma crítica pertinente a esses comportamentos que muito provavelmente são comuns em uma delegacia.
“O Canto das Sereias” é um baita de um thriller. A história repleta de detalhes sórdidos e tenebrosos brinda o leitor com críticas ao comportamento da polícia, apresentando policiais machistas e homofóbicos ao extremo. Além disso, o ponto alto da trama é poder entrar na mente do assassino e saber exatamente o que ele pensou enquanto cometia os assassinatos.
Interessante. Vou colocar na lista…
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Opa, fico feliz que tenha feito você colocar ele na lista.
Quando ler, me conta o que achou da história. 😉
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Pode deixar!
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Parece um livro bem pesado mesmo como você descreveu, haha. Não costumo ler muito desse gênero, mas estou buscando ler, vou colocar na minha lista!
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Ele é bastante gráfico e a questão da homofobia incomoda bastante, principalmente pra quem é mais sensível a violência gráfica e até verbal.
É um ótimo livro, mas como você não está acostumado com o gênero, permita-me te indicar outro que é mais leve “As Sobreviventes”, em breve sai resenha dele por aqui, é um ótimo Thriller e sem tanta violência gráfica. 😉
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