Uma história pesada, que aborda com detalhes crus um tema que é absurdamente necessário de ser discutido. O tipo de livro que chacoalha o leitor e o traz para uma triste e cruel realidade vivida por milhares de mulheres. Um livro tremendamente angustiante de acompanhar.
E-book recebido em parceria com a editora Serpentine.

Nome: Eu Sarah?
Autora: Luana Cardoso
Editora: Serpentine
Páginas: 262
Sinopse: Sarah, uma jovem modelo em ascensão, viaja com sua amiga, Victória, para a Itália com o intuito de fazer um intercâmbio afim de turbinar seu currículo com um curso de extensão. Durante a viagem, ela conhece Mathias. Um rapaz educado, gentil e cavaleiro que logo demonstra estar interessado na modelo e a convida para sair. Após a noite de diversão as coisas evoluem e Sarah e Mathias iniciam um namoro… Um relacionamento que começa bem, como qualquer outro, mas que aos poucos evoluí para o pior pesadelo que a moça poderia ter…
“Eu Sarah?” é aquele tipo de livro que em poucas páginas faz o leitor se sentir angustiado e de mãos atadas. Uma história que comove por lidar com um tema pesado e monstruoso que infelizmente se tornou comum em nossa realidade.
Através de uma narrativa simples, sem rodeios, e repleta de descrições cruas e angustiantes, conhecemos Sarah. Uma moça que está no início da sua carreira de modelo e que durante uma viagem para a Itália acaba se envolvendo com um rapaz chamado Mathias. E logo, aquele que deveria ser um relacionamento “saudável” se transforma em um pesadelo para a moça. Em poucas páginas (e tempo narrativo) o príncipe encantado se transforma em um sapo horrendo.
“Ser homem é uma coisa. Ser grosseiro, ciumento, possessivo, controlador é outra coisa.”
O desenvolvimento dos personagens é maravilhoso. Tanto Sarah, quanto Mathias são perfeitamente bem construídos por Luana Cardoso que desde o início planta pistas sobre a personalidade violenta do rapaz e cria uma certa “desculpa” para seu comportamento abusivo. Além disso, a autora apresenta e desenvolve uma protagonista que por mais que esteja apaixonada, consegue dar um fim na relação conflituosa.
E não apenas os protagonistas e antagonistas são bem desenvolvidos, mas também, a construção acerca de como ocorre um relacionamento abusivo. Afinal, ninguém entra em um relacionamento tóxico por que quer.
A construção do Relacionamento Abusivo
Esse é um dos pontos mais pertinentes da obra. A autora constrói com calma e verossimilhança toda a trama que envolve o início do abuso.
Logo nas primeiras páginas do livro e do início do relacionamento com Sarah, Mathias se mostra um homem agradável, cavaleiro e gentil. Entretanto, devo dizer que por mérito da autora, temos pincelados vários momentos que o homem demonstra um comportamento obsessivo e autoritário. Essas situações que envolvem um caráter mais obscuro de Mathias, deixa a mocinha incomodada, no entanto, por estar apaixonada e pensar ser apenas “ciúmes” e “cuidado“, ela releva a situação até as coisas ficarem insustentáveis.
“Tudo mudou drasticamente, o sonho virou pesadelo. O amor virou ódio. A liberdade se findou. O riso cedeu lugar às lágrimas e os sonhos encolheram-se de tanto apanhar. O céu escureceu e nuvens de tempestade se instalaram sem previsão de ir embora.”
O fato é que um relacionamento tóxico não surge do nada e nem no início do namoro. As pessoas que o praticam costumam esconder atrás de máscaras bem elaboradas suas verdadeiras faces, chegando a passar anos vivendo um personagem, até que um alicerce como: a bebida, por exemplo, liberta quem essa pessoa é de verdade.
Toda essa construção narrativa é feita de forma primorosa. Sem pressa e expondo através de pequenos detalhes e falas as verdadeiras intenções de Mathias. Um homem que se escondia atrás de uma fachada de bom moço e quando finalmente teve a oportunidade, revelou seu monstro interior, chocando Sarah e nós, leitores.
Além da construção do relacionamento abusivo, a autora também apresenta um desenvolvimento fenomenal da mente da protagonista após os abusos. Por se tratar de um trauma, é lógico que Sarah não conseguiria ser a mesma e esse fato é muito bem explorado por Luana Cardoso.
Confiar?
Após sofrer violência física, verbal e moral, Sarah acaba desenvolvendo síndrome do pânico e algumas outras patologias, se tornando uma moça com grande dificuldade de confiar nas pessoas.
Esse é um ponto muito bem explorado e desenvolvido, apresentando em vários momentos da narrativa, crises de pânico sofridas pela moça que devido a todos os traumas e abusos, se torna uma mulher arredia, que passa a não confiar em nenhum homem que se aproxima.
“Estava despedaçada em infinitos pedaços machucados e violados pelo germe da violência.”
A conexão que o leitor passa a sentir por Sarah e sua condição é absurda. Em vários momentos da trama é possível se sentir angustiado e receoso com o que pode vir a acontecer com a moça. Lembro que em um determinado ponto do livro eu me sentia tão insegura quanto a personagem e ficava pensando que Mathias estava atrás dela e que iria lhe fazer alguma maldade.
Essa insegurança, tanto de Sarah quanto do próprio leitor, se torna ainda maior quando a moça conhece Luca. O rapaz que é advogado, aparece na oficina do pai da modelo e que tenta puxar assunto com ela. Confesso, que nesses capítulos eu apenas conseguia pensar que ele não era um rapaz confiável e que assim como Mathias faria mal a Sarah.
Felizmente, eu estava errada e Luca se torna um grande amigo, companheiro e futuro amor de Sarah.
Nem todos são iguais
E essa é uma discussões importante abordada na narrativa. A autora insere um personagem que é totalmente o oposto de Mathias. E ela faz isso, justamente para mostrar que nem todos os homens são iguais.
Essa foi a forma perfeita de apresentar argumentos necessários para expor que existem homens machistas, que conviveram em um ambiente machista e que se tornaram machistas por opção e que existem homens que mesmo vivendo em situação semelhante, pensam diferente.
Luca é o exemplo de segundo homem. Aquela luz brilhante no fim do túnel para Sarah.
Tudo começa com uma amizade que evoluí aos poucos para algo maior. Luca é cuidadoso e compreensivo, não ultrapassando os limites de Sarah, lhe dando espaço e entendendo que ela precisa de tempo para se reerguer e juntar seus pedaços. O rapaz compreende a situação da moça e faz de tudo para conquistar sua confiança e amor. O envolvimento que eles tem durante a trama é perfeito de ler, um respiro no tanto de coisas ruins e cruéis que ocorrem na história.
Ambiente Machista
E como citei a ambientação machista, não posso deixar de corroborar com a ideia de que a ocasião faz o ladrão.
Assim como em “Eu, Sarah?“, temos que ter em mente que se crianças crescem em um ambiente machista, com pais que fecham os olhos para atos atroz de seus filhos, é natural que eles se transformem em pessoas de péssima índole quando adultos.
“Acobertar os erros não é a forma correta de amar e educar.”
Esse fato é comprovado com Mathias, que cresceu sendo mimado pela mãe que além de passar a mão na cabeça do filho, tinha pensamentos machistas. Isso fica evidente, quando em um determinado ponto do livro, a odiosa mulher expõe sua forma de pensar à Sarah e praticamente culpa a moça por ter sido agredida. Um dos momentos mais asquerosos e inacreditáveis da leitura.
Infelizmente, é fato que até os dias de hoje, existem mulheres com pensamentos semelhantes.
A força da Protagonista
E sem dúvida devo destacar o quanto Sarah é forte.
A moça se tornou minha protagonista preferida de 2021, seja por ter superado um trauma, conseguido enfrentar um homem louco, sobrevivido a uma tentativa de feminicídio ou mesmo por se compadecer da dor de outras moças e montar sua própria instituição de auxílio a mulheres vítimas da violência doméstica.
Sarah é um exemplo para todos. Uma personagem forte, que não desiste. Uma mulher que mesmo com todo o sofrimento que passou, se dá uma oportunidade de ser feliz e encontra o verdadeiro amor. Um amor saudável, que não cobra, discute ou manda. Um relacionamento regado pelo respeito mútuo.
Não tenho dúvidas de que a história de Sarah é aquele tipo de narrativa que inspira mulheres a se reerguerem, a juntarem seus pedaços e assim como a protagonista do livro, começar novamente.
Denuncie!
E antes de encerrar essa resenha, quero mencionar um ponto de extrema importância que a todo momento é mencionado no livro. Se você ver alguma mulher ser vítima de violência doméstica, denuncie. Esse simples ato de “meter a colher em briga de casal”, pode salvar uma vida.
E mesmo sendo uma história com uma pegada forte e apresentar um tema pesado, a autora o fez de forma responsável. O livro é repleto de mensagens que incitam o leitor a denunciar e a ajudar mulheres vítimas de seus maridos, namorados e companheiros. Não tendo qualquer romantização da violência, e se assemelhando à um manifesto de alerta. Afinal, situações similares podem estar ocorrendo ao nosso lado.
“Eu, Sarah?” é uma história necessária. Um livro que contêm gatilhos, mas que mostra uma verdade cruel que ocorre a cada 5 segundos com uma mulher pelo mundo. Uma obra forte, que provoca ao leitor angustia, mas que infelizmente retrata uma realidade que temos como obrigação mudar.
Se você presenciar ou for vítima de violência denuncie no número 180 ou 190 se for um flagrante.
NÃO SE CALE!
Quantas Sarah andam por aí. Algumas fortes, outras nem tanto… por isso é muito importante não se calar diante da violência contra mulheres..
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Exatamente. É uma triste realidade, mas que deve ser falada todo dia e toda hora.
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