As vezes, quando quero ler alguma coisa mais rápida e sem manter um compromisso de leitura por muito tempo, eu opto por conhecer contos. E caçando uma história curtinha no Kindle, me deparei com “O Papel de Parede Amarelo” e acredito que foi uma das leituras mais densas e aflitivas que fiz durante os últimos anos.

Nome: O papel de Parede Amarelo
Autor: Charlotte Perkins Gilman
Após ser diagnosticada com uma suposta “doença”, algo que seu marido e irmão definiram como “crise nervosa”, uma moça e seu companheiro alugam uma misteriosa e isolada mansão por três meses para que ela possa seguir o tratamento adequado para melhorar suas “crises”.
Impedida de trabalhar e fazer qualquer tipo de esforço, a mulher passa dias e noites trancada dentro da casa, isolada em um quarto sinistro que passa a assombrá-la por possuir um estranho “papel de parede amarelo”. Perturbada com a misteriosa pintura, a moça começa a perceber que existem mulheres presas por detrás do papel de parede e essas mulheres passam a interessá-la de forma estranha.
“Há uma peculiaridade marcante sobre este papel, uma coisa que ninguém parece notar, mas só eu, é que ele muda conforme a luz muda.”
Com o passar do tempo, a moça começa a se questionar se realmente existe algo debaixo do papel de parede ou se tudo é apenas fruto da sua imaginação.
Ela está realmente louca? Ou será que existe alguma coisa assombrosa por detrás daquele amarelo berrante?
~A Autora~
Charlotte Perkins Gilman nasceu em 3 de julho de 1860 em Hartford, capital do estado de Connecticut. Foi uma romancista renomada e bastante conhecida devido suas posições favoráveis acerca do movimento feminista. Apesar do conto “O papel de parede amarelo” ser sua obra mais afamada, a autora escreveu outros livros, como por exemplo: “Terra das Mulheres“, traduzido e publicado no Brasil através da editora Rosa dos Tempos. Gilman faleceu em 17 de agosto de 1935. Ela cometeu suicídio após descobrir que possuía câncer de mama.
Curiosidade: Basicamente toda a obra de Gilman mostra outras faces da mulher, além das de donas de casa, mães e esposas. Suas obras retratam mulheres provedoras de seu próprio sustento.
“O papel de parede amarelo” apesar de ser um conto, é considerado por muitos críticos como uma “mini autobiografia” de Gilman. A personagem retratada na narrativa possuí uma vida semelhante a da autora, que quando jovem teve uma crise de depressão pós-parto e foi diagnostica com “histeria nervosa”, sendo instruída pelo médico a cessar com o trabalho e se dedicar ao lar e a filha, fato que piorou sua saúde mental.
~Minhas Impressões~
Que conto mais aflitivo foi esse?
Eu li sem esperar absolutamente nada, mas quando finalizei a leitura senti um aperto no peito e uma sensação de impotência e desolação. É nítido desde as primeiras linhas que a mulher ao qual somos apresentados não está louca e muito menos doente, ela é apenas vítima do machismo que imperava na sociedade da época.
A narrativa de Gilman é angustiante o que faz o leitor experimentar a aflição e solidão que a personagem sente durante as poucas páginas do conto. Uma história que causa desconforto apenas por descrever as sensações sentidas pela mulher ao observar um estranho e assombroso papel de parede amarelo com desenhos de arabescos.
“Se um médico de alto nível, e o próprio marido, assegura amigos e parentes que realmente não há nada de preocupante conosco, mas só uma temporária depressão nervosa – com uma ligeira tendência histérica – o que se pode fazer?”
Por ser uma história contada em primeira pessoa, é fácil nos conectarmos com a protagonista, mesmo em poucas páginas. Ao lermos seus pensamentos e a forma como ela narra e demonstra suas emoções, facilmente sentimos empatia e compaixão por sua condição. Além de uma raiva crescente pelas atitudes insensatas de seu marido.
Um conto curto, mas que consegue transmitir com comoção uma inquietude temerosa ao leitor. Uma história que consegue trazer reflexões pertinentes ao termino da leitura.
Loucura?!
Para mim é certo que a protagonista não possuía nenhuma doença, crise nervosa ou insanidade. Ela era apenas uma mulher normal, vítima de relacionamentos abusivos, tanto de seu marido quanto de sua própria família. Uma mulher que foi aprisionada e privada de exercer suas paixões. E devido a abstinência que a acometia, acabou se deixando levar pelas ilusões fornecidas por sua mente abalada.
“A cor é totalmente horrível, é estranha e irritante, mas a estampa é uma tortura. Você pensa que a compreendeu, mas é só você começar no curso seguinte, que ele dá uma cambalhota para trás e lá está você. O papel lhe dá um tapa na cara, derruba e pisa em você. É como um sonho ruim.”
É triste lermos a todo momento que a moça tentava manter um diálogo, explicar seus motivos, mostrar seus pontos de vistas e era sempre calada e desacreditada pelo homem com que se casou. Um homem que usava uma desculpa hostil e declarava que eram meramente coisas da sua cabeça e que ela ficaria bem.
Sensação de aprisionamento
Outro ponto interessante do conto é a sensação de claustrofobia e sufocamento que ele transmite. É através de descrições de cheiros, do espaço apertado em que a moça se encontra e seu desespero constante de querer sair de um lugar e não conseguir, que transmite a percepção de prisão ao leitor.
Uma impressão que permeia toda a narrativa, causando o incômodo que muitos leitores adoram sentir durante uma boa trama de terror ou suspense psicológico.
“Às vezes eu acho que se ao menos eu estivesse bem o suficiente para escrever um pouco, aliviaria a pressão das ideias e eu poderia descansar.”
O fato, é que ao chegarmos nas últimas páginas e nos últimos parágrafos da obra, o desconforto aumenta. E é esse mal estar que provoca aflição e uma certa ansiedade para que a história chegue ao final. Um desfecho que oferece uma conclusão pavorosa que além de provocar assombro, também instiga o leitor a refletir sobre o texto.
A metáfora feminista
Como dito mais acima na biografia da autora, é nítido que o conto “O papel de parede amarelo” foi baseado em fases da vida de Gilman.
A forma como ela descreve o papel de parede como algo repulsivo e fora do padrão é como a sociedade da época julgava mulheres que não se encaixavam nos padrões sociais impostos no século XIX. Mulheres que queriam fazer a diferença e lutavam por seus direitos e por igualdades ou mesmo aquelas que fugiam das regras de um patriarcado machista, eram constantemente apontadas e feridas, comportamento que as fazia se esconder atrás de uma máscara de mentiras ou um papel de parede amarelo.
“Durante muito tempo eu não tinha percebido o que era a coisa que aparecia na estampa de trás, oculta, mas agora tenho a certeza de que é uma mulher.”
Outro ponto em que enxergamos essa metáfora de forma mais nítida é quando a personagem começa a visualizar mulheres por detrás do padrão amarelado. Mulheres que estão pressas naquilo que a sociedade decide que é certo, mulheres que devem ser submissas a seus maridos e familiares, mulheres que não possuem liberdade.
Vale ressaltar, que o conto foi publicado pela primeira vez em 1892, ano em que as mulheres eram facilmente condenadas por qualquer coisa que fugisse daquilo que a sociedade considerava “correto”.
“O Papel de Parede Amarelo” é um conto curto que consegue provocar diversas sensações no leitor e proporcionar discussões pertinentes acerca de temas que estão em pauta na nossa sociedade. Uma obra tida como um dos textos mais importantes do movimento feminista. Certamente, uma história que reflexão e ajuda as mulheres a ponderar se já saíram detrás do seu papel de parede amarelo.
Vlw pela resenha, me pareceu um ótimo livro! Depois vou pesquisar mais sobre.
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Pesquise sim, é narrativa incomoda, mas que vale a pena a leitura.
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