Só por cima do meu cadáver – Lúcia Moyses

AVISO: A RESENHA ABAIXO CONTÊM SPOILERS!

Um casamento deve ser uma união entre duas pessoas, uma união que deve conter um amor mútuo entre as partes. No entanto, um casamento requer minimamente um planejamento prévio para que as dificuldades não façam a relação cair em uma rotina monótona e desgastante.

Infelizmente, é cada vez mais comum vermos casais apressando o processo de uma união e em muitas das vezes as coisas acabam não ocorrendo como o esperado.


“A vida era perfeita. Marcela tinha um marido que amava, um lindo bebê e uma casa adorável.
Sentia-se como num conto de fadas.
Mas com o tempo, a cinderela foi se transformando em gata borralheira.”

Nome: Só por cima do meu cadáver
Autor: Maria Lúcia Moyses
Editora: Scortecci
Páginas: 131


Sinopse: Marcela uma jovem muito bela que chama a atenção por onde passa. Edu um rapaz brincalhão que conquista todos com sua simpatia. Quando se conhecem em uma festa e começam a namorar, todos dizem que são o casal perfeito. Que se completam. Mas, após um casamento apressado a vida se torna amarga demais para o casal.


Só por cima do meu cadáverNÃO é um livro de mistério, mas sim, uma obra que tem como princípio abordar as causas do surgimento de um distúrbio neuropsicológico.

Escrito pela neuropsicóloga, Lucia Moyses, o livro é o segundo volume de uma série intitulada “Coleção DEZequilibrios” que tem como proposta apresentar vários distúrbios mentais, desenvolvendo durante a narrativa um cenário propicio para que o transtorno se manifeste através dos personagens.

Cada livro possui uma história única que é narrada brevemente, relatando a vida de um dos muitos pacientes tratados no consultório da Doutora Renata. Pacientes que possuem os mais variados distúrbios que são desenvolvidos cuidadosamente durante a narrativa para que o leitor possa juntar as peças do quebra cabeça e confirmar suas hipóteses nas páginas finais da obra, ao ler um preciso diagnostico do transtorno abordado na edição.

Semelhantemente a livros de thrillers em que é possível acompanharmos uma trama atrás de um assassino com um detetive que possui uma vida fora de seu trabalho, o mesmo ocorre na coleção “DEZequilibrios”, já que o leitor acompanha situações corriqueiras que ocorrem na vida da doutora Renata, o que torna possível um vínculo tanto entre os demais livros como entre leitor e personagem.

“Óbvio. Seu trabalho vinha em primeiro lugar. Seus pacientes tinham mais sua atenção do que seus próprios filhos.”

Em “Só por cima do meu cadáver” é possível dizer que não existe um mistério em descobrir o distúrbio tratado na obra, afinal, já iniciamos a leitura tendo em mente a figura de uma mulher à beira da morte e em alguns de seus aleatórios pensamentos desconexos é possível notar indícios que revelam sutilmente qual transtorno abordado no livro.

Mas, por que não temos um mistério?

Simples, porque o drama central da narrativa não está em descobrir o distúrbio, mas sim, as causas que levaram o personagem a desenvolvê-lo. Logo de início sabemos que a moça apresentada, Marcela, está em um intenso processo de terapia. Apesar de não termos de fato certeza sobre seu distúrbio, um leitor mais atento certamente conseguirá captar as pistas deixadas pela autora e ligar os pontos.

E mesmo sem que haja um grande mistério de fato, a trama é muito bem desenvolvida, pois, é através de uma breve história narrada em uma prosa suave que o leitor compreende aos poucos os pormenores que levaram a personagem aquele estado catatônico. Uma frase dita aqui, outra ali, um casamento, um homem que não a ama. Detalhes suficientes para conhecermos a vida da moça e percebemos aos poucos como eventualmente as coisas saíram de controle.

Vale mencionar que um  dos pontos mais relevantes da narrativa são os breves capítulos narrados dentro da mente de Marcela após a descoberta da doença. Recurso sabiamente aproveitado por Lúcia, visto que, dessa forma a trama transpõe para o leitor uma empatia, uma vez que é perceptível a perturbação que se passa na mente da moça. É por meio desses capítulos que é possível notar certas “estranhezas” e é exatamente essa confusão mental que faz com que a autora recorra a flashbacks para enfim conhecermos a triste história de Marcela e Edu.

Flashbacks

Particularmente eu gosto bastante da utilização de flashbacks em uma narrativa para conhecermos o passado de uma determinada história e sabermos como a narrativa chegou ao ponto em que conhecemos. Em “Só por cima do meu cadáver” Lúcia utiliza esse recurso com sabedoria, afinal, já começamos a história sabendo que algo terrível aconteceu com Marcela, mas não sabemos “o que” e nem “porquê“.

É interessante mencionar que apesar da autora optar por não desenvolver uma atmosfera de suspense na obra, ela foi sucinta ao apresentar o drama causado por uma doença desoladora. Uma doença que se desenvolve na mente, sendo gradativamente implantada aos poucos, através de comentários maldosos, olhares inoportunos e sobretudo aos padrões estéticos que diariamente impõem um molde de beleza através de novelas, filmes, revistas, anúncios e tudo o mais. Uma forma de ditar o que é belo e aceito em nossa sociedade.

Spoiler se faz necessário

Sei que esse intertítulo pode quebrar toda a magia de quem quiser ler o livro, por isso, se você não quiser spoilers eu sugiro que pare de ler a resenha por aqui e volte após ter lido a obra. Enquanto isso, você pode fuçar outros conteúdos do blog, tem bastante resenhas legais por aqui e sei que você vai gostar.

Agora, se você que continua por aqui, é porque já leu o livro, ou simplesmente não se incomoda com spoilers, então vamos prosseguir.

A opinião contida nesse tópico se baseia completamente em minha experiência como leitora e também em minhas próprias vivencias, afinal a leitura de “Só por cima do meu cadáver” me afetou profundamente, principalmente por ter me identificado com Marcela, já que assim como ela, sou uma mulher que casou jovem. Portanto, toda a narrativa tem um certo peso para a minha pessoa e fez com que eu sentisse empatia pela personagem.

Mas vamos por partes. O meu primeiro questionamento diz respeito a uma pergunta simples que me faço todos os dias: “Porque as pessoas insistem em querer menosprezar a nossa vida”?

E quando me refiro a menosprezar, quero deixar claro que o questionamento é direcionado ao fato de porque as pessoas sentem “prazer” em fazer comentários impertinentes e indelicados em relação ao nosso peso? “Nossa! Mas como você engordou!”, “Você está comendo demais, você está ficando gorda!”. Talvez, para você leitor comentários desse tipo não sejam um problema ou não te afetem, mas você já parou para pensar em quantas mulheres se sentem afetadas com esses comentários maldosos?

“Edu não acreditou muito na esposa, que antigamente passava o dia todo comendo e no jantar se servia de mais comida do que ele. Mas estava com a cabeça em outro lugar e não disse nada.”

Talvez seja difícil entender que esse tipo de comentário consegue destruir a autoestima de uma mulher que as vezes não está em seus melhores momentos. O que a princípio parece apenas um alerta inofensivo para que a pessoa possa vir a se cuidar mais, acaba se tornando uma sementinha maldosa que vai germinando, crescendo e florescendo de forma tóxica dentro da mente de uma pessoa. E é assim, através de apenas um comentário que distúrbios como “Anorexia” e “Bulimia” surgem na vida de muitas mulheres e também de muitos homens.

E caso você não saiba, mas se algum dia fez um comentário do tipo para alguém, você realmente contribuiu para que aquela pessoa se sentisse mal a ponto de querer emagrecer de qualquer modo. E muito se engana quem acha que esse tipo de distúrbio é meramente um drama, se dito para uma pessoa com sérios problemas emocionais esse comentário “inofensivo” pode levar a morte já que tanto a “Anorexia” quanto a “Bulimia” em casos extremos matam.

É assim, por meio de comentários “inocentes” que Marcela infelizmente se vê presa em um espelho que reflete uma mentira. Sua mente cria uma imagem que não é a dela, mas ela não consegue enxergar. Simplesmente porque em um dia alguém lhe disse… “Se você é gorda ele não vai te querer”.

O amargo estopim

Sabemos que a mídia é um grande meio de comunicação, dissolução de ideias e de pré conceitos que acabam se infiltrando em nossas mentes, principalmente no que tange a concepção do que a mídia trata como belo e feio. Essas imagens pré-concebidas são o ponto chave para entendermos o porquê de Marcela ser criticada quando fica mais gorda e ser acusada de forma indireta de ter ocasionado a traição do marido.

“’Há males que vem para o bem’”, pensou Marcela. Edu estava mais carinhoso, ela estava ficando bonita novamente e ninguém desconfiava de nada.”

Infelizmente, a cada dia a mídia vende o tempo inteiro imagens de mulheres magérrimas, fazendo com que a população acredite que aquele padrão é o certo, o único tipo de beleza. É devido a essa manipulação midiática que “ser gorda” ou “estar gorda” acabou se tornando uma ofensa para muitas mulheres, o que está longe de ser verdade. “Ser gorda” ou “Estar gorda”, não é, nunca foi e nunca será uma ofensa.

Quando vamos aprender que não existe um padrão de beleza?

O que existe é aceitar, amar e deixar o outro em paz. É ter empatia e bom senso e não destilar um veneno aleatório. Utilizar o peso de uma pessoa como ofensa pessoal é uma das coisas mais baixas que um ser humano pode chegar.

O medo do fracasso

A história de Marcela e Edu é triste. Triste porque é perceptível durante a leitura que ambos sofriam com baixa autoestima. Triste porque ambos se casaram sem amor. Triste porque eles não souberam e não quiseram tentar completar suas diferenças para seguir a vida. Triste porque apenas uma palavra simples como o “Não” poderia ter evitado o trágico desenrolar da história.

Edu sempre foi aquele segundo filho. O menos querido, que ficava em segundo plano e que era constantemente deixado de lado. Fato que o destruía aos poucos, o deixava desolado e com uma necessidade absurda de nunca fracassar. Edu queria que sua família tivesse tanto orgulho dele quanto tinham de seu irmão mais velho. E esse medo e vergonha da derrota culminou em seu casamento fracassado.

Fica claro durante a trajetória do casal que Edu não sente inveja de seu irmão, no entanto ele se sente inferior e é exatamente esse sentimento de inferioridade que impediu que ele fizesse as escolhas certas e que o levou ao fundo do poço.

O vilão?

Em minhas próprias convicções, traição é uma coisa horrível e imperdoável. No entanto, durante a minha leitura de “Só por cima do meu cadáver” eu me questionei em vários momentos sobre a traição de Edu.

Vejam bem, eu não estou justificando o ato do rapaz, mas em partes é possível compreender o quanto o casamento estava saturando-o, já que é perceptível que ele precisava urgentemente de um tempo. Tempo esse, que devido aos inúmeros afazeres no trabalho e de casa ele não possuía e isto acabava o deixando sobre forte pressão, aumentando seu estresse. O fato é que Edu estava surtando e não tinha ninguém para ouvi-lo desabafar.

“Além do mais, sentia falta das conversas estimulantes com a amante. A esposa, por mais bonita que estivesse, continuava vazia por dentro e não tinha nada de interessante para conversar.”

É óbvio que essas situações não justificam uma traição. Mas, se nos colocarmos no lugar do personagem que estava vivendo uma vida amarga em um casamento infeliz ao qual praticamente foi forçado a realizar. Então vamos conseguir compreender que Edu estava saturado e como qualquer ser humano, ele precisava de um descanso e muito embora tenha encontrado esse descanso nos braços de outra mulher, o que ele precisava realmente era ser aceito como era e por fim amado de verdade.

Na trama fica claro que Edu não é uma pessoa ruim, no entanto, fica claro também que ele era fraco e que o medo do fracasso e a impossibilidade de dizer “Não” e seu complexo de inferioridade trouxeram várias consequências para a sua vida e a de sua esposa. No fim, Edu foi o culpado de todas as tragédias que ocorreram em seu casamento.

No fundo o que Lúcia quer realmente mostrar para nós leitores é que o verdadeiro vilão está em nosso próprio psicológico e como a negatividade impacta nossa saúde mental nos enlouquecendo aos poucos.

Só por cima do meu cadáver” é um livro forte. A narrativa simples nos leva a uma história corriqueira de um casamento fadado ao fracasso. A conexão entre leitor e personagem não existe, visto que a intenção da autora é mostrar os perigos que ecoam com a baixa autoestima e como ela é responsável por ceifar a vida de uma pessoa. Mas, principalmente, o livro tende a mostrar como certas palavras afetam profundamente a nossa saúde mental.


Se interessou pelo livro ou pela coleção DEZequilibrios? Quer lê-los?

Você pode adquirir cada exemplar da coleção através desse LINK  e ainda conhecer o trabalho incrível da Autora Lúcia Moyses.

2 comentários em “Só por cima do meu cadáver – Lúcia Moyses

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