AVISO: A RESENHA ABAIXO CONTÊM SPOILERS!
Contos de mistério, horror e morte são sempre uma ótima dica de leitura quando chega Outubro, o famigerado mês do terror e consequentemente do Halloween, portanto devo dizer que o conto “A porta Sinistra” da irlandesa Charlotte Riddell conseguiu me pegar fácil nesse mês das bruxas de 2020.

Nome: A porta Sinistra
Autor: Charlotte Riddell
Antologia: “Vitorianas Macabras”
Editora: Darkside
Quando em um belo dia, um jovem ouve de um amigo que um lorde está oferecendo uma boa quantia para aquele que desvendar o porquê de uma velha porta em sua casa não ficar fechada, ele não tem dúvidas em aceitar, já que o dinheiro resolveria por hora alguns problemas financeiros.
“Era então aquele o aposento: o cômodo da porta sinistra. Por um instante, permaneci imóvel, perplexo; bem assustado, confesso.”
Após fechar o acordo, o rapaz parte rumo a mansão e ao chegar no local, se instalar nas dependências da isolada residência e não demora para que ele reconheça a porta e presencie alguns “eventos”.
Ao sair para respirar ar puro e conhecer os arredores, o jovem conhece o antigo dono da casa que confidência ao aventureiro que foi no quarto dito como “assombrado” que seu tio foi assassinado.
Após ouvir a história e ligá-la com alguns acontecimentos, o rapaz começa a suspeitar de algo…
Afinal, será o fantasma do tio assassinado? O assassino? Ou a porta está apenas enferrujada?
~A autora~
Charlotte Eliza Lawson Riddell também conhecida como Sra. J.H. Riddell, nasceu em 30 de setembro de 1832 na cidade de Carrickfergus, localizado no condado de Antrim, na Irlanda do Norte. É autora de mais de 56 livros, alcançando certa notoriedade com suas histórias fantasmagóricas e conseguindo se manter com a escrita até seus 74 anos, quando veio a falecer vítima de um câncer de mama. Além de uma exímia escritora, Riddell também foi editora das revistas Jame’s Magazine e Home.
Curiosidade: Foi a primeira mulher a ganhar uma pensão da Sociedade de Escritores, recebendo cerca de 60 libras ao ano.
Infelizmente no Brasil pouco conhecemos de suas obras, visto que até o momento nenhum livro de sua autoria foi traduzido e publicado em nosso país.
~Minhas Impressões~
O conto possui uma história simples e previsível, totalmente ambientada nos moldes das histórias de mansões vitorianas assombradas por fantasmas ou demônios. O enredo é bem desenvolvido e flui de forma agradável transpondo para o leitor a típica atmosfera que atualmente encontramos em histórias do gênero. Uma fórmula narrativa que funciona bem, visto que, mantém o leitor preso durante pouco mais de 40 minutos, motivando-o a acompanhar a interessante desventura de “caça ao fantasma” no qual o protagonista se envolve.
A trama em si, não chega a produzir no leitor aquela sensação de medo ou aflição, mas ainda assim, em breves momentos causa aquele tão familiar calafrio na espinha, principalmente devido as ótimas descrições do local em que se passa a história transmitindo com perfeição o clima taciturno alcançado pelas boas histórias de mistérios.
É importante mencionar que apesar de ter sido escrito em 1882, o conto não possui uma linguagem rebuscada, o que torna a leitura rápida, fácil e acessível ao público. Certamente é uma ótima porta de entrada para novos leitores do universo de horror e uma boa distração para os fãs do gênero.
Então leitores, caso você já tenha lido o conto, separei dois tópicos que podem ser identificados na obra para podermos analisar e fazermos uma breve discussão sobre esses pontos. Claro que são minhas perspectivas de leitura e você pode se sentir à vontade para discordar de mim.
Portanto, alerto que a partir deste parágrafo teremos Spoilers, então se você não leu e quer ler o conto, eu sugiro que pare por aqui. Caso você já tenha lido ou mesmo não se importe com Spoilers eu lhe convido a divagar um pouco através da “Porta Sinistra”.
A solidão
Gosto de ler histórias do gênero de horror que se passem em locais ermos e isolados, pois sempre acho interessante como algumas delas conseguem transpor para nós leitores aquele famigerado e pesaroso clima de solidão que geralmente perpétua durante a narrativa. É um sentimento que considero único e que somente boas histórias assombrosas ou mesmo bem escritas conseguem passar com exatidão
“A porta sinistra” merece esse reconhecimento.
Muito embora a narrativa curta não foque necessariamente nesse quesito, é pertinente notarmos o quanto o personagem principal acaba se sentindo sozinho e desolado nas dependências da residência que se encontra tão solitária quanto ele.
E é justamente esse clima mórbido de solidão sentida pelo personagem que acaba despertando nele a ideia que não havia passado por sua cabeça durante as primeiras páginas do relato. Ideia essa que catalisa o fim do conto. Um final que por mais que não tenha absolutamente nada de assombroso ou mesmo misterioso acaba sendo satisfatório, pé no chão e totalmente plausível e condizente com a construção narrativa da obra.
Para muitos, acredito que seja um final meramente decepcionante, afinal é um tanto óbvio principalmente para leitores vorazes de histórias de mistério, principalmente pelo fato de que não existe nada de inovador ou único.
Entretanto, vale lembrar que esse é um conto escrito no século XIX e que certamente serviu como uma grande referência para inúmeras histórias que temos hoje em dia. A trama clichê e batida funcionou com um público há 200 anos, mas não hoje em dia. Se pararmos para pensar, “A porta sinistra” causa aquele bom sentimento nostálgico. Nada mais. Apenas, aquela súbita nostalgia que adoramos sentir de vez em quando.
Os verdadeiros monstros
Agora, sabe uma coisa que acho interessante?
O fato de como muitas obras tendem a mostrar um lado cético no que tange ao sobrenatural. É interessante pensarmos que muitas tramas evidenciam o conceito de que os verdadeiros monstros são na verdade os próprios seres humanos.
“A porta sinistra” é um exemplo claro desse tipo de obra, visto que o elemento causador de horror e mistério na trama, “a porta”, era apenas um objeto normal e inofensivo que nada possuía de macabro ou assustador.
Uma das coisas que é pertinente mencionarmos é a questão traumática que envolve o protagonista do conto, tendo em vista que após presenciar um determinado evento que poderia ter tirado sua vida, ele acabou desenvolvendo uma certa fobia de ficar sozinho. E não foi por consequência das noites que passou em completa solidão na mansão que ocasionou o distúrbio, mas sim, o ataque brutal e quase mortal causado por uma pessoa de carne e osso e que estava mais viva que a própria lenda da porta assombrada.
Em resumo… O conto revela de forma sútil aquela velha faceta de que muitas das vezes o mal é mais humano do que sobrenatural.