Livro cedido em parceria com o autor.
Epidemias, pandemias, cataclismas, apocalipses. A humanidade não está isenta de que qualquer um desses eventos ocorra a qualquer momento. Afinal, a cada dia que passa, somos os maiores responsáveis pela súbita destruição que vem ocorrendo na natureza.
Talvez, um dia a Mãe Natureza se revolte e queira cobrar o elevado preço por tudo que tomamos e destruímos gratuitamente ao longo de todos esses anos.

coletavam rapidamente os corpos para servirem de isca para a caça de baratas no futuro.”
Nome: Barata, o alimento
Autor: Elieser E. Borba
Capa: @desenhodonando
Editora: Publicação Independente
Páginas: 198
Sinopse: Já pensou acordar em um mundo e descobrir que todos os alimentos possuem uma toxina mortal para aqueles que o consomem e que agora o único alimento disponível para a humanidade são as baratas? Marcel acordou em um mundo assim… Mas felizmente ele não é como os humanos restantes, e pode nos guiar para conhecer as entranhas tenebrosas desse futuro apocalíptico.
Existe um elemento fundamental que você deve saber antes de começar a leitura de “Barata, o alimento”, o autor Elieser E. Borba, criou toda a história em 2019. E porque essa informação é relevante? Simples, para que você possa iniciar a leitura ponderando que os eventos narrados ao longo do livro, que pode ser categorizado como uma “ficção futurística distópica”, talvez não estejam longe de ocorrer, visto que, em nossa atual realidade lutamos arduamente contra um vírus altamente contagioso e perigoso.
Portanto, não podemos descartar a ideia de que se alimentar exclusivamente de baratas pode vir a se tornar uma crise catastrófica em um futuro distante ou não.
Sem meias palavras e sem enrolação, a história é escrita de forma rápida, sucinta, direta e simples apresentando com eficiência as mensagens que o autor deseja transmitir. A obra possui uma narrativa dotada de uma excêntrica frieza que auxilia na composição do clima apático e angustiante que perpetua ao longo do livro, contribuindo para que o leitor experimente uma sensação constante de penúria, incômodo e aversão perante as inúmeras situações que são descritas.
“Os insetos se moviam uns por cima dos outros, num ritmo frenético e nauseante, formando e ao mesmo tempo destruindo o que parecia uma montanha viva que em muito lembrava algum tipo de simbionte alienígena buscando sair de dentro daquele aquário para tomar o primeiro corpo que aparecesse.”
Podemos atribuir como um dos grandes méritos da obra o enredo que abarca a trama, pois, apesar do leitor se sentir angustiado durante a leitura, a história se desenvolve de forma fluida e instigante, o que torna fácil a imersão e curiosidade acerca do futuro daquela devastada civilização que é apresentada.
O mundo devastado
O caos criado em virtude da inexplicável praga é intrigante e instigante. O autor elabora através de detalhes taciturnos um mundo absurdamente melancólico, arrasado e quase totalmente destruído. O clima de tensão, desolação e apatia que paira durante toda a composição narrativa obtém o efeito mórbido suficiente para causar ao leitor sentimentos como medo, repulsa e ansiedade.
“Desde que tudo isso aconteceu as baratas deixaram de ser os insetos nojentos que as pessoas colocavam inseticida ou matavam com chinelos. Agora as pessoas precisavam comê-las para se manterem vivas…Agora a barata é o alimento.”
Todo esse sentimento de repulsa, todavia, só se torna possível e plausível devido a a eficiente criação de mundo que o autor faz. Um mundo devastado e decrépito que possui suas próprias regras e detalhes tão vívidos que auxiliam na imersão do leitor, tornando-o um mero espectador fadado a testemunhar a ruína do que restou da humanidade.
Ao longo da trama, fica nítido que a grande protagonista da história é a “Terra” e a sua eventual e trágica “mudança”. Afinal, tudo teve de ser modificado para se adequar a “nova situação da humanidade”. Um período decadente em que a humanidade está a um passo de se tornar uma espécie extinta.
Mãe!
“Barata, o alimento” é aquele livro que ao longo da leitura entrega várias possiblidades de analogias e interpretações. Essas por sua vez serão mais fortes dependendo da experiência de vida de cada leitor.
Umas das possíveis interpretações que podemos ter durante a leitura é que essa é uma história sobre a fúria implacável da natureza perante aos atos puramente egoístas do ser humano. Talvez dizer que o plot trate subitamente sobre a “vingança da mãe natureza” não seja um equívoco, visto que o autor não define uma “resposta concreta” sobre o porquê ou como tudo começou. Temos especulações, mas nada definitivo. Sabemos que houve um evento e assim assistimos como a humanidade encara esse dilema.
“No entanto, o lugar onde o mundo tinha chegado era apenas um reflexo do que as vozes de manifestantes, adultos ou não, sempre estiveram ecoando: toda a sujeira da política e do comportamento abusivo do homem frente ao desmatamento e a destruição desenfreada de recursos provenientes da natureza.”
Quando ponderamos a analogia da “fúria da natureza” encaramos a possibilidade da “Mãe Natureza” punir anos de exploração e devastação que a humanidade realizou sem limites na Terra. Dessa forma, o “Castigo Divino” ocorreu através da “Praga” perante o envenenamento dos alimentos e que tornou como única fonte de sobrevivência da espécie humana se alimentar de seres rastejantes, asquerosos e que por anos a fio foram chamados de imundos pela sociedade, as baratas.
Quem sabe, a “Mãe Natureza” quisesse apenas passar a ingênua mensagem de que as verdadeiras baratas sempre foi a civilização humana. Essa interpretação, fundamenta o argumento de que a Terra é a verdadeira protagonista de “Barata, o alimento” e seu brilho não é ofuscado por um humano. Muito embora, podemos assumir que existe um grande vilão humano ou mesmo vários grandes vilões humanos na história.
Hey Dlanssais!
Uma das coisas que todo bom leitor de distopias futurísticas sabe ou ao menos deve saber, é que não se deve ler um livro de um futuro pós-apocalíptico esperando respostas para tudo que é proposto. Em “Barata, o alimento” não é diferente, já que temos uma trama situada em um mundo colapsado e abatido por uma praga sem uma causa totalmente definida.
Então, tenham em mente que até o final da leitura muitas perguntas não serão respondidas e essa ausência de respostas é perfeitamente aceitável, visto que, o autor enfatiza o desenvolvimento do livro na construção de mundo e na construção do egoísmo humano. Um egoísmo medíocre que se mantém durante toda a narrativa, externando para o leitor uma hedionda decadência moral e ética da sociedade, acarretando na perca de convicções por parte da humanidade restante.
Em “Barata, o alimento” o vilão possui uma personificação. É um ser humano, líder de uma nação, Dlanssais, um fanático que embora lembre muito um ditador conhecido por acreditar na supremacia branca, não difere muito em caráter e pensamento homicida de alguns líderes mundiais que se dizem salvadores da pátria e pregam um falso discurso de “paz”.
É nítido que Dlanssais possui seu próprio posicionamento pessoal e tampouco liga para a população que sofre com a praga que ocorre no mundo. É através do decreto das mais revoltantes e hediondas ordens, instituídas por meio de leis intransigentes e severas que ele mantém um estado autoritário e ditatorial, que consegue punir, amedrontar e revoltar a população.
O líder possui suas próprias prioridades e elas não incluem toda a população mundial, mas sim, aqueles cujo ele próprio julga merecedor de sobreviver. Por consequência, ele manipula todos ao seu redor se escondendo por atrás de um discurso mascarado de preconceitos de que é tudo para o “bem da humanidade“.
“O futuro idealizado pelo “Mal” e seus asseclas era simplesmente um horizonte de emburrecimento geral da população. Estupidez travestida na ideia de um mundo novo e sem a influência das coisas ruins que o passado, na história de cada país, poderia fornecer.”
Moral, ética e claro… Política
É através dessa política autoritária e ditatorial descrita em “Barata, o alimento” que as críticas a sociedade e política atual estão duramente presentes no texto. Sejam por meio de metáforas muito bem elencadas na composição do enredo ou mesmo de forma explícita, sem meias palavras.
As críticas apresentadas ao longo da obra são pertinentes. Principalmente no que tange o contexto político que infelizmente somos obrigados a suportar nos tempos atuais. Toda a abordagem garante uma trama repleta de discussões éticas e morais que auxiliam no questionamento dos dilemas apontados durante a narrativa.
São pontos específicos e pertinentes, apresentados de forma ácida e intensa, visto que o autor não se priva de argumentos plausíveis ao confrontar nossas próprias convicções caso um evento de magnitudes catastróficas como os que ocorrem na obra viesse a ocorrer.
Afinal, será que conseguiríamos manter nossa integridade intacta perante a uma situação caótica que fatalmente culminaria em alternativas desesperadoras e desumanas apenas para nos mantermos “vivos”?
É interessante pararmos para pensar em como situações extremas requerem atitudes extremas da sociedade. Atos que aos nossos olhos são medíocres e hediondos, acabam se tornando aceitáveis e justos por mais absurdos que possam parecer. Práticas que estão presentes no autoritarismo exercido pelo governo criado no enredo, já que este denota um extremismo exacerbado de controle da população, através de ações que causam medo, pânico e revolta em toda a sociedade sobrevivente.
Os despertados
Esse é um dos pontos mais pertinentes da obra. Afinal, os personagens que aparecem na trama, são protagonistas ou meros figurantes?
Irei expor nesse ponto as minhas considerações pessoais e interpretação acerca dos personagens categorizados no livro como “Despertados”. Conforme já mencionei na resenha, para mim, a Terra é a grande protagonista de “Barata, o alimento”, sendo assim, os “Despertados” podem ser encarados como meros “telespectadores”, assim como os próprios leitores.
Vejam bem, no enredo conhecemos um homem chamado Marcel que acorda misteriosamente no mundo já devastado pela “Praga”, logo ele encontra uma moça, Angie, e juntos passam a tentar entender o que está ocorrendo. O fato é que boa parte dos momentos em que eles aparecem, somos guiados por vários pontos específicos da cidade e do mundo, presenciando inúmeros eventos distintos. É como se o leitor fosse um terceiro integrante na busca por respostas.
Isso fica evidente pelo fato de Marcel e Angie não possuírem uma construção profunda durante a trama. Ambos são personagens que não apresentam um desenvolvimento psicológico e emocional relevante, o que acaba culminando em uma momentânea sensação de superficialidade. Essa percepção, todavia, não atrapalha na imersão que o enredo estabelece para o leitor, visto que, é perceptível que o casal desempenha uma função de “guia narrativo“, auxiliando o leitor a testemunhar o trágico futuro da humanidade.
Essa característica do texto em retratar personagens vazios que a princípio não possuem um rumo ou uma perspectiva interessante é totalmente proposital, já que o enredo supre essa necessidade de conexão entre leitor e personagem ao transmitir um excelente e angustiante sentimento de impotência que alcança com sucesso uma identificação invisível na narrativa, visto que o leitor, assim como Marcel e Angie se torna apenas um mero telespectador de um terrível e aflitivo espetáculo.
O final
E quem diria que esse seria um livro que teria um final tão inesperado.
Distopias e histórias apocalípticas por si só tendem a não ter um desfecho favorável para a humanidade. Caminham lentamente para culminar em um desfecho cruel, desolador e que deixa um gostinho amargo na boca, fazendo os leitores questionar sobre a maldade humana.
Em “Barata, o alimento”, não é diferente. O final beira uma catástrofe, um prescrito fim para uma parte da humanidade. Ao menos é isso que fica decretado até lermos as últimas linhas. E posso afirmar uma coisa, Elieser consegue surpreender de forma extraordinariamente positiva o leitor ao escrever um final totalmente inesperado. Final este que presenteia o leitor com questionamentos notáveis e até mesmo um suave fio de esperança.
“Barata, o alimento” é aquele tipo de livro que somente os mais fortes vão conseguir ler até o final. É preciso ter estomago e mente aberta para compreender as mensagens que o autor difunde. Um livro repleto de discussões morais, éticas, raciais, políticas e ambientais. Dotado de alegorias e referências históricas e bíblicas. Uma obra que vale a pena ser lida.
Por fim, encerro essa extensa resenha com um recado. Fique em casa e se cuide durante a pandemia. A quarentena até o momento é nossa única “punição” e se isolar é um “castigo” mais suave do que uma dieta a base de baratas.