Bartleby, o escrivão – Herman Melville

AVISO: A RESENHA ABAIXO CONTÊM SPOILERS!

Digo e repito. Heman Melville é muito mais do que “Moby Dick” e se você só conhece essa obra do autor, você precisa urgentemente ler “Bartleby, o escrivão”.


“Mas ele parecia ser sozinho, totalmente sozinho no mundo.
Um destroço de naufrágio em pleno Atlântico.”

Nome: Bartleby, o escrivão
Autor: Herman Melville
Editora: Ubu
Nota: 4,5
Páginas: 69


Sinopse: Um advogado renomado que atua em um escritório nas movimentadas ruas de Wall Street, resolve contratar um novo funcionário. O escolhido é Bartleby, um homem quieto, de aparência tranquila e serena. No entanto, no decorrer dos dias o advogado começa a se sentir incomodado com algumas atitudes de Bartleby que insiste em não obedecer a ordens e sempre usa a característica frase “Eu acho melhor não”.


Bartleby, o escrivão” é uma daquelas novelas que você inicia sem entender muita coisa, mas você persiste na leitura porque ela te instiga, e esse é sem sombra de dúvida um mérito puramente do autor e de sua habilidade de escrita. Melville tem o poder de conduzir habilmente as palavras de uma forma tão persuasiva que te deixa completamente absorto a cada sentença. É quase que impossível pensar em interromper a leitura, já que todo o clima de suspense é intrigante do começo ao fim da narrativa.

Apesar de não ser propriamente uma obra de suspense, terror ou qualquer outro gênero que te faça se sentir ansioso ou curioso, o fato é que a habilidade de Melville de contar uma história é tão poderosa que faz com que nós leitores nos perguntemos quase que o tempo inteiro o que é que vai acontecer na próxima página, que rumo aquela situação vai tomar, como as coisas vão se desenrolar e como será o desfecho. Essas considerações nos deixam tão ansiosos que passamos a ponderar a situação exposta como real, mesmo ela sendo completamente “estranha” e de certa forma “inverossímil”. Mas acredite, isso não é um defeito, mas sim um grande acerto, afinal passamos realmente a crer que a situação posta pode fatalmente vir a ocorrer.

“Nada irrita mais uma pessoa honesta do que a resistência passiva. Se o indivíduo ao qual se resiste não for desumano, e o que resiste, inofensivo, então o primeiro, com a maior boa vontade, vai se empenhar para que a sua imaginação construa com caridade aquilo que foi impossível resolver com a razão”.

Acompanhar toda a narrativa é por demais sufocante, chegando a ser até mesmo claustrofóbica. Tudo no ambiente apresentado é descrito de uma forma que parece cercar o cenário por muros ou simplesmente paredes, sejam elas palpáveis ou invisíveis, como por exemplo o prédio de concreto que se estende a frente do escritório ou mesmo a muralha de comunicação que Bartleby instaura entre ele e seus colegas de trabalho. Mas, a questão primordial da narrativa são os vários significados propostos ao longo da trama e principalmente em seu desfecho, trágico, no entanto até certo ponto previsível. Mas independentemente de sua previsibilidade, um desfecho amargo e porque não solitário?

Uma metáfora, várias interpretações

Uma das maiores divagações que tive enquanto lia essa novela foi de que na verdade tudo ali se tratava de uma grande metáfora que falava sobre quebrar as convenções naturais da sociedade e se libertar de todas as amarras invisíveis que temos a nossa volta desde o nascimento. Ao decidir não fazer absolutamente nada, Bartleby quebrou essa barreira e conseguiu se sentir livre, talvez pela primeira vez em sua vida, ele enfim se liberta de suas correntes. O sentido de negação que se faz presente no texto é certamente a representatividade do sentido exato da palavra liberdade.

Mas não é apenas sobre a liberdade que a obra divaga. O personagem que narra a história, o advogado sem nome, possui todo um vínculo com a liberdade, afinal a sua própria é quebrada durante o enredo, principalmente após a chegada de Bartleby, já que o advogado tenta sem sucesso convencer o empregado a trabalhar ou mesmo a deixar o local. Assim, sem obter sucesso, ele adquiri uma frustração tão grande que se sente preso e sufocado em seu próprio ambiente. O fato é que ele assume uma postura de “despertencimento” e apenas aceita que ali já não era seu lugar e que ele havia perdido a sua própria liberdade.

“Pela primeira vez na vida fui invadido por um sentimento opressivo e angustiante de melancolia. Antes havia sentido apenas tristeza, mas nada tão desagradável. Uma obrigação moral com a humanidade levava-me à depressão. Uma melancolia fraternal!”

Essa sensação de “despertencimento” do narrador dialoga principalmente com o fato de que ele se sente de alguma forma responsável por Bartleby. Em um determinado momento da narrativa essa questão se torna clara, pois apesar de não deixar essa responsabilidade explicita e tentar a qualquer custo se desvencilhar dela, a sociedade faz questão de lembrar a ele quase que o tempo inteiro que Bartleby existe e que fatalmente é de toda responsabilidade dele, afinal foi o advogado quem lhe concedeu o emprego.

Essa discussão entre ter uma liberdade falsa e uma liberdade verdadeira é extremamente prazerosa durante a leitura, pois o que temos então “tacado” em nossa face é uma privação da liberdade alheia para que a liberdade real seja por fim alcançada. Dessa forma vemos que para que uma pessoa possa realmente ser livre das convenções sociais ela acaba “machucando” outras pessoas, mesmo que essa não seja sua real intenção.

“Mas ele não disse palavra alguma; como a última coluna de um templo arruinado, permaneceu ereto, mudo e solitário no meio da sala deserta.”

A eterna prisão

Uma coisa que é bastante interessante de destacar é o fato da obra salientar que a liberdade social não significa liberdade espiritual ou mental. Isso fica evidente em diversas passagens do enredo, pois mesmo com Bartleby assumindo a sua postura de negação ele continua preso em um mundo que o bloqueia. Essa simbologia da privação da liberdade está sempre presente na trama.

Bartleby trabalha em um escritório fechado e de frente para uma janela que possui como vista a parede de concreto de um prédio. Sem ter uma casa aonde morar ou mesmo amigos e familiares, o personagem se vê solitário e fatalmente não faz nada a não ser trabalhar e permanecer no escritório, nas últimas páginas da narrativa, Bartleby insisti em ficar na prisão de frente para uma parede, contemplando-a.

Você consegue perceber o quanto o autor brinca com o conceito de liberdade? Ao mesmo tempo em que o personagem se liberta das amarras sociais ele também se aprisiona, a sociedade continua o mantendo aprisionado, mesmo que ele consiga agora ter total convicção de suas ações e decidir por si só que não vai fazer absolutamente nada.

O final…

Uma coisa que me deixou bastante intrigada se diz respeito ao final de Bartleby, se o autor queria deixar transpor que apenas na morte temos a verdadeira liberdade ele fez isso de forma grandiosa, no entanto, ao mostrar que o emprego antigo de Bartleby era na verdade de queimar cartas que nunca chegavam ao seu destinatário, ele quebra totalmente esse raciocínio que nos impôs e nos faz questionar se realmente somos livres de qualquer escolha em algum momento de nossa vida ou mesmo após a morte.

Ao narrador por fim só resta ponderar que Bartleby possuía o emprego mais triste do mundo, queimar cartas que nunca chegavam a alguém querido. Na minha visão sobre a leitura, pude concluir que o final dialoga com o fato de que não importa o que vamos fazer ou o que queremos, sempre estaremos a mercê das amarras sociais e mesmo Bartleby que morreu se negando a fazer qualquer coisa, acabou sendo condenado por uma sociedade que já tinha suas próprias grades.

“A felicidade procura a luz, por isso acreditamos que o mundo é alegre, mas a desgraça se esconde longe, por isso acreditamos que o sofrimento não existe.”

Embora não tenha se tornado uma obra favorita, gostei bastante da composição narrativa e dos diálogos intrínsecos presentes em todo o livro. A trama é muito bem encadeada e Melville consegue manter o clima de tensão, curiosidade e sufocamento durante toda a história, acredite, é possível sentir um leve aperto no peito durante a leitura. Apesar de não serem personagens com uma profundidade muito trabalhada, isso não interfere na experiência do leitor, e de qualquer forma Bartleby é um personagem extremamente marcante e sua excentricidade é capaz de torná-lo fugazmente memorável.


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